O agitador cumpre sua ameaça*
Dias atrás, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST), Guilherme Boulos, fez ao mesmo tempo uma promessa e uma ameaça:
“Haverá um agravamento da situação e vamos nos aproximar de um estado de
convulsão social”. Na terça-feira, começou a cumprir o que dissera. Tendo
comparecido – segundo declarou, movido pela intenção de tentar uma solução
“negociada e pacífica” – a um terreno ocupado por 700 famílias em São Mateus,
que estava sendo submetido a reintegração de posse por ordem judicial, Boulos
foi detido pela Polícia Militar por resistência e incitação à violência. Levado
a uma distrito policial, foi indiciado e liberado, nove horas depois.
De família de classe média alta, marxista radical,
formado em filosofia pela USP, morador, com a mulher e duas filhas, num bairro
da periferia pobre de São Paulo, Boulos é obstinado pela ideia de que tem uma
missão social – e política – a cumprir. A vocação franciscana de Boulos tende a
transformá-lo em ícone para os “progressistas” que o imaginam, por sua devoção
aos pobres, acima do bem e do mal. E é exatamente isso que o torna perigoso
para uma sociedade que se pretende livre e democrática, na qual a igualdade de
oportunidades que garante a justiça social só pode ser obtida sob o império da
lei, jamais pela força.
O problema habitacional é inegavelmente grave no País. E
essa não é uma anomalia que deva ser debitada apenas ao fato de o governo não
conseguir desenvolver programas habitacionais suficientes. Afinal, a obrigação
de prover moradias populares cabe ao governo apenas subsidiariamente, como
exceção diante das carências mais profundas, e não como regra. Na verdade, no
que diz respeito à questão habitacional, os governos têm falhado principalmente
quando se trata de sua responsabilidade original, que é a de prover
infraestrutura urbana, o que envolve mobilidade, abastecimento de água e
energia elétrica, saneamento, além de rapidez e eficiência na tramitação
burocrática da documentação relativa ao imóvel. É essa uma das razões da
disseminação descontrolada de loteamentos ilegais e irregulares.
A gravidade do problema habitacional não justifica, no
entanto, a tentativa de resolvê-lo na marra, ao arrepio da lei, com total
desrespeito ao direito de propriedade, que numa sociedade democrática sofre
certas limitações em respeito ao bem comum. Por exemplo, é pacífica a
normatização do uso do espaço urbano por meio das chamadas leis de zoneamento.
Coisa diferente é a ocupação de áreas consideradas “abandonadas” por seus
proprietários. Essa é uma maneira fácil de, mais do que oferecer uma solução
precária para os sem teto, politizar a questão com o objetivo de demonstrar
como verdadeira a falácia de que os problemas sociais, como a da habitação, não
podem ser resolvidos pelos critérios da “lei burguesa”, e que os princípios da
Justiça só serão atendidos quando garantidos por um Estado autocrático.
O agitador Guilherme Boulos, inimigo declarado da
liberdade que não seja aquela concedida por um Estado Todo-Poderoso, apesar de
ameaçar com a eclosão da “convulsão social”, nega-se a admitir que estimule de
alguma forma a violência com que os militantes do MTST se comportam. De acordo
com o que disse na terça-feira, tudo se explica pelo fato de que “há no País um
movimento de criminalização dos movimentos sociais”. E garantiu que não teve
nenhuma influência sobre a atitude dos invasores despejados, que reagiram à
ordem de desocupação apresentada por um oficial de Justiça com a queima de
pneus e móveis no meio da rua e o lançamento de pedras e paus contra os
policiais militares que ali estavam para garantir o cumprimento da decisão
judicial e, por sua vez, recorreram ao uso de bombas de efeito moral e gás de
pimenta.
Boulos declarou ter sido vítima de uma “prisão política”.
Não é o que está escrito no boletim policial. Ele violava a lei e promovia a
desordem. Mas é assim que ele entende ser a política. Para ele, “convulsão
social” deve ser sinônimo de progresso.
*Publicado no Portal Estadão em 19/01/2017
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