Síndrome do pessimismo*
Rubens Barbosa**
A interação das crises econômica, política e ética está
deixando marcas profundas na sociedade brasileira. Manifestações violentas,
individuais ou coletivas, contra pessoas ou o Estado, tornaram-se rotina. O mau
humor instalou-se de forma permanente, consequência da insegurança, do
desemprego crescente, que aflige as famílias, da perda do poder de compra da
maioria que recebe salário e também das estratosféricas taxas de juros, que
afetam as pessoas e as empresas.
Característica da insatisfação e frustração é a tendência
ao negativismo e pessimismo. As notícias quase diárias de corrupção da Lava
Jato, da total insensibilidade da classe política e de setores corporativos
diante da crise estão tornando difícil a leitura isenta e desapaixonada até de
acontecimentos positivos. O discurso lulopetista do “nós e eles” está à solta.
Um claro exemplo disso é o fato de terem passado
despercebidos o exame e a aprovação de algumas leis pelo Congresso e mudanças com
ações do Estado que afetam positivamente a todos, governo, setor privado e
indivíduos. Nos cem primeiros dias (outubro-dezembro) do governo Temer, o
Executivo, visto como fraco, ineficiente e fragilizado pela Lava Jato, bem como
o Congresso, apesar de desmoralizado e enfraquecido, aprovaram uma série de
reformas que nem Lula nem Dilma tiveram disposição ou força política para
sequer tentar que fossem examinadas.
A lista é expressiva: lei que permite a desvinculação das
receitas da União, lei que regula o funcionamento das estatais, lei das
concessões e privatizações, lei que muda o regime de exploração do pré-sal, lei
das empresas aéreas, lei que facilita a privatização do setor elétrico, lei
permitindo repatriação de recursos mantidos no exterior, lei que permite
redução de jornada a servidor federal com cônjuge ou filho deficiente, lei que
amplia poderes das CPIs, lei para renegociação de dívida de produtor atingido
pela seca, lei que simplifica trâmite de processos judiciais, PEC do Teto de
gastos públicos, lei da reforma do ensino médio, medida provisória que
regulariza a situação fundiária em áreas pobres e carentes (favelas). E ainda
se iniciou a discussão sobre a revisão das dívidas estaduais, da Lei Rouanet e
das importantes reformas da Previdência e trabalhista.
É verdade que a grave crise que o País atravessa
facilitou esse avanço. Em conversa com o ministro Delfim Netto, ouvi que os
governos agem sempre da mesma forma: apesar de todas as advertências, continuam
a aplicar políticas equivocadas até que a situação comece a sair do controle;
nesse momento é que começariam a aplicar as políticas corretas que vinham sendo
sugeridas havia muito tempo.
É preciso ter em mente que o governo Temer herdou uma
economia falida, em recessão, com crescente desemprego, nível de corrupção
jamais visto e política externa que isolou o Brasil e diminuiu sua exposição no
exterior. Com o País vivendo a mais grave crise de sua História, o resultado
tem sido, goste-se ou não das medidas, a rápida aprovação de leis, a mudança de
políticas e a redução do papel do Estado na economia e na vida dos cidadãos.
Para reduzir o papel do Estado estão em pauta diversas
providências. Exemplos são a recuperação da Petrobrás, agora com liberdade para
operar os preços dos combustíveis, a revisão do papel do BNDES, de modo a
atender de fato aos interesses do País, a redução do número de ministérios e a
extinção de 4.689 cargos em comissão e funções de confiança.
Na política externa, eliminada a influência da ideologia
na formulação e execução de suas ações, busca-se retirar o Brasil do isolamento
dos entendimentos comerciais e acelerar as negociações Mercosul-União Europeia.
Deu-se nova ênfase ao Mercosul e suspendeu-se a Venezuela pelo descumprimento
dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão de 2006.
O período Lula-Dilma, voltado para ansiados programas
sociais, paternalistas, assistencialistas e de caráter redistributivista,
ignorou as reformas modernizantes que poderiam favorecer ainda mais e de forma
permanente as classes menos favorecidas. Sucedendo a presidentes que ignoraram
essas reformas, o governo atual, neste curto período, alterou políticas,
legislações e deu direção à economia.
Tudo isso foi feito sob o mais completo alheamento da
sociedade, anestesiada pelo desânimo e pela desesperança quanto ao futuro. O
aprofundamento das reformas estruturais, como as da Previdência e trabalhista,
ao lado da reforma política, apesar de pouco ambiciosa até aqui, criou um novo
patamar para os futuros governos.
Resultado dessa nova atitude, iniciou-se a redução da
taxa de juros, acentuou-se a queda da inflação, o risco Brasil diminuiu e,
sobretudo, evitou-se a criação de mais impostos. Com o gradual restabelecimento
da confiança empresarial, em 2017 o País deverá sair da recessão dos três
últimos anos.
A discussão de uma agenda para um Brasil moderno deveria
ir além das atuais mudanças na economia e das ações do governo. O debate, na
eleição de 2018, deveria concentrar-se nas propostas com visão de médio e longo
prazos sobre o lugar do Brasil no mundo, com a definição do que queremos,
internamente, em termos de redução do papel de Estado e, externamente, no
tocante à inserção do País nos fluxos dinâmicos das cadeias produtivas globais.
O muito que foi feito em tão pouco tempo, combinado com as punições exemplares
de políticos e empresários corruptos, é sinal alentador de que as instituições
– Executivo, Legislativo e Judiciário –, embora fragilizadas, continuam
funcionando e produzindo resultados que podem favorecer toda a sociedade.
Em 2018 os eleitores terão de optar entre a volta ao
passado e o aprofundamento das reformas para a execução de agenda
modernizadora, de modo a tornar o País mais eficiente e socialmente mais justo.
*Publicado no Portal Estadão em 10/01/2017
** Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior
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