Turbulência*
Eliane Cantanhêde
O ano de 2016 vai terminando e o de 2017 bate à porta com mais dúvidas do que certezas e com a sensação de que, quanto mais o presidente Michel Temer se isola no governo, mais ele fica refém de um Congresso carente de credibilidade e apavorado com a Lava Jato. A única boa notícia de Temer na semana passada foi a queda da inflação. Nesta, deve ser a aprovação do teto de gastos.
No mais, Temer se imiscuiu na crise entre Legislativo e
Judiciário, deixou vazarem que cedia em temas centrais da recém-lançada reforma
da Previdência e recuou na escolha do substituto de Geddel Vieira Lima na
Secretaria de Governo. Convenhamos, não são exatamente movimentos de quem se
sente firme feito uma rocha.
É claro que um alto grau de tensão entre Poderes,
especialmente em um momento de crise política e da economia, não é bom para
ninguém nem ajuda presidente nenhum. Mas Temer não precisava participar
ativamente da solução de meio-termo do Supremo, até porque a percepção na
opinião pública não é de esforço contra o imbróglio institucional, mas para
salvar o cargo de Renan Calheiros mais um mês e meio.
Quanto à reforma da Previdência, nada mais natural que o
governo envie ao Congresso uma proposta com “gorduras” para ter o que queimar
ao longo das negociações. E nada mais natural, ainda, que ouça sugestões,
reclamações, ponderações. Mas não precisa piar no primeiro urro das centrais
sindicais. Se pia assim na primeira semana, o que vai sobrar da reforma daqui a
seis meses?
Por fim, a escolha do líder tucano Antonio Imbassahy para
a Secretaria de Governo, responsável pela articulação com o Congresso, pareceu
bastante razoável, mas foi interditada pelo Centrão, que reúne PP, PTB, PRB etc
e trabalha mais pelos seus interesses do que pelos do País. Não tem ninguém que
possa avisar aos líderes do Centrão que o avião atravessa uma área de
turbulência e convém ter juízo e usar o cinto de segurança?
Imbassahy é um parlamentar respeitável e resolveria uma
equação: o PSDB assume (assumiria) a articulação agora e abre (abriria) a
presidência da Câmara, em fevereiro, para a reeleição de Rodrigo Maia, que é
uma mão na roda. Não é do PMDB, do PSDB, do Centrão nem do PT, os carros-chefes
do Congresso, mas do DEM, partido experiente que, aliás, tem crescido na crise.
Além disso, Maia tem bom trânsito no Planalto, boa relação na Câmara e não
tenta dar passos maiores do que as pernas.
Com os peemedebistas Eduardo Cunha preso, Renan réu,
Geddel fora, Romero Jucá enrolado e Eliseu Padilha entrando na roda, Temer vai
se isolando no Planalto e precisa cada vez mais não só do Congresso, mas em
particular do PSDB. Reagiu afirmativamente, com autoridade, quando os tucanos
começaram a botar as asinhas de fora na economia, mas precisa de reforço no
Planalto e esse reforço só pode vir do PSDB. De quem mais?
Então, tudo bem que Temer não confronte o Centrão, mas
agradá-lo recuando na escolha de Imbassahy? Não parece uma boa troca. E, no
final, o importante é que o governo deve aprovar a PEC do Teto definitivamente
nesta semana, mas tem pela frente uma duríssima negociação pela Previdência e
precisa de perícia e determinação para estabilizar o voo. E que fique claro:
não apenas pela reforma, mas pela sobrevivência.
FHC. Sempre tão frio e racional, Fernando Henrique
Cardoso anda abatido com o tamanho e as diferentes formas da crise. Mesmo
depois de passar a fase pior da hérnia de disco e abandonar a bengala, está com
cara péssima.
“O senhor continua com muita dor na coluna?”, perguntou
uma assessora.
“Não. É dor na alma”, respondeu.
*Publicado no Portal Estadão em 11/12/2016
*Publicado no Portal Estadão em 11/12/2016
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