O Enem e as
escolas ocupadas
Apesar de o número de escolas
ocupadas ter caído significativamente em todo o País, uma vez que os
governadores foram autorizados pela Justiça a usar a Polícia Militar para
desalojar os invasores, mais de 191 mil estudantes – num total de 8,6 milhões
de inscritos – não poderão fazer o Exame Nacional do Ensino Médio na data
prevista. Por causa das ocupações que ainda restam, principalmente nos Estados
do Paraná, de Minas Gerais e da Bahia, o Ministério da Educação teve de
remarcar as provas desses estudantes, o que acarretará um custo adicional de R$
12 milhões para os cofres públicos.
A União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes),
que é apoiada pelo PT e por facções de esquerda, acusa o governo de aproveitar
a realização do Enem para pressionar os alunos das escolas públicas a suspender
essa forma de protesto contra a MP do Ensino Médio e contra a PEC dos gastos
públicos, tentando com isso enfraquecer a chamada “Primavera Secundarista”. A
entidade alega que o número de estudantes prejudicados pelas ocupações é muito
pequeno, correspondendo a 2,2% do total de inscritos, e vem estimulando os
secundaristas a reagir às determinações judiciais.
Para os líderes estudantis, bem como para o partido e
para as facções radicais que os manipulam, as invasões de escolas são uma forma
de exercício da liberdade de manifestação do pensamento assegurada pela
Constituição. Também afirmam que têm o “direito” de invadir, uma vez que as
escolas públicas “pertenceriam” aos alunos. E a porta-voz que elegeram, uma
adolescente de 16 anos, afirmou em discursos na Assembleia Legislativa do
Paraná e na Comissão de Direitos Humanos do Senado que os secundaristas
recorrerão a “novos métodos de desobediência civil” para resistir às medidas do
governo nos campos da educação e da economia.
Esses argumentos – endossados publicamente pelo
ex-presidente Lula, a ponto de ter telefonado para essa adolescente a
cumprimentando por suas opiniões – mostram o desconhecimento das regras mais
elementares do Estado de Direito por parte desse grupelho de estudantes. Por
falta de instrução cívica ou má-fé, não percebem que, ao manter escolas
públicas ocupadas nos dias das provas do Enem, prejudicarão o direito de um
número significativo de colegas de fazer um exame cujas notas são usadas no
Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que substituiu o vestibular nas
universidades federais.
Por despreparo, não compreendem que são apenas
beneficiários – e não “proprietários” – das escolas da rede pública de ensino.
Não entendem, e não querem entender, que invadir é crime e não um direito. Por
cegueira ideológica, esquecem-se de que a desobediência civil é, historicamente,
uma forma pacífica de protesto político, enquanto qualquer invasão ou ocupação
é, por definição, um ato de violência. Como nas escolas invadidas são os
“coletivos” que determinam quem pode ou não entrar e o que os invasores podem
ou não fazer, as ocupações nada têm de democráticas – são manifestações
autoritárias por excelência. Repetimos: a interdição de espaços públicos para
impor a vontade política de minorias é sempre um ato de violência.
Mais grave ainda, quando invocam a democracia para
justificar invasões, descumprimento acintoso de ordens judiciais e práticas de
“desobediência civil” e “atos de resistência”, essa minoria de secundaristas
não se limita a afrontar o primado da lei e o princípio da ordem estabelecida.
No discurso, eles entoam o mantra do diálogo e da democracia, o que lhes
permite ocultar sob uma cortina de fumaça o verdadeiro objetivo daqueles que os
usam como marionetes: a substituição da democracia – que só se sustenta no
respeito à lei – pela irracionalidade do assembleísmo.
Na realidade, a causa dessa minoria de invasores de
escolas públicas, defendida sob o olhar complacente de muitos pais, advogados
ativistas e conselheiros tutelares, não tem nada de nobreza, romantismo e
heroísmo. Quando impedem colegas de fazer o Enem, eles escancaram uma
intolerância e um radicalismo incompatíveis com a democracia.
*Publicado no Portal Estadão em
03/11/2016
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