Ameaças à democracia*
Barack Obama usou um de seus últimos pronunciamentos como
presidente dos Estados Unidos, há alguns dias, em Berlim, para fazer uma clara
advertência sobre as ameaças que pairam sobre a democracia, em todo o mundo, e
para conclamar os cidadãos que apreciam o regime democrático a se comprometer
mais em sua defesa, abandonando os extremos. “Não podemos considerar garantidos
o nosso sistema de governo e o nosso modo de vida. Há uma tendência a se
considerar que sempre foram garantidos. E não são. Democracia demanda trabalho
duro”, resumiu Obama.
O lembrete do presidente americano não poderia ser mais
pertinente. A democracia está em risco precisamente porque, por diversas
razões, muitos eleitores hoje não se sentem participantes efetivos do processo
político. A apatia gerada por essa sensação é o primeiro passo para que
aventureiros que negam a política e apostam na destruição da convivência
democrática cheguem ao poder, como aconteceu na Europa dos anos 20 e 30, com
consequências funestas para o mundo todo.
Cada vez menos cidadãos se dispõem a ir votar e muito
menos a participar ativamente da vida política. A abstenção eleitoral, como se
verificou também nas recentes eleições municipais no Brasil, cresce de maneira
constante e, em breve, haverá quem questione a legitimidade dos eleitos por
esse sistema. “Nos Estados Unidos”, disse Obama, “se 43% dos cidadãos aptos a
votar não foram votar, então a democracia está enfraquecida.”
É nesse vácuo que cresce a retórica populista. Foi assim,
dirigindo-se aos eleitores que se consideram esquecidos pelo sistema, que o
bilionário Donald Trump, que nunca exerceu nenhuma função pública e fez disso
seu principal trunfo, chegou à Casa Branca. E é assim que muitos outros
populistas pretendem chegar ao governo em diversas partes do mundo
desenvolvido, aproveitando-se desse claro momento de fragilidade da democracia.
Os brasileiros mais atentos já perceberam, com apreensão,
que o País enfrenta semelhante desafio. Partidos que não são mais que siglas
sem significado se multiplicam como moscas, acentuando a descrença, já mais ou
menos generalizada, na política e nos políticos, razão pela qual ganha terreno
o discurso dos que se propõem a atender às demandas populares sem a mediação
das instituições democráticas, à margem da política tradicional. Teme-se, com
isso, que partidos e líderes sem compromissos mínimos com a democracia recebam
os votos dos desiludidos e, assim como Trump, alcancem o poder.
A estratégia desses irresponsáveis é usar as liberdades
proporcionadas pela democracia para destruí-la. O que se viu na campanha de
Trump na eleição americana, por exemplo, foi a exploração da liberdade de
expressão para propagar mentiras deslavadas contra sua adversária, Hillary
Clinton, a ponto tal que até mesmo os correligionários do candidato, entre os
quais decerto não há nenhum iniciante em política, o abandonaram.
Obama chamou a atenção para o fato de que hoje muita
gente já não consegue discernir entre o que é verdade e o que é mentira, pois o
que importa é disseminar “informações”, especialmente na internet, que possam
aniquilar o oponente. “Se não levamos a sério os fatos e aquilo que é ou não
verdadeiro – particularmente nas mídias sociais, onde tantas pessoas se informam
–, se não conseguimos discriminar argumentos sérios de mera propaganda, então
temos problemas”, disse o presidente americano.
O principal desses problemas é que a desinformação cria
uma atmosfera em que a democracia e a política tradicional acabam sendo vistas
como empecilhos para o bem-estar da população, fazendo com que os extremistas
se apresentem como solução. “Se as pessoas, sejam de direita ou de esquerda,
não se mostram dispostas a se engajar no processo democrático e demonizam seus
oponentes, então a democracia se desfaz”, disse Obama. A única forma de impedir
essa tragédia, como afirmou o presidente americano, é “exercer a cidadania
continuamente, não apenas quando algo nos incomoda, não apenas quando há uma
eleição”.
*Publicado no Portal Estadão em 28/11/2016
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