Eleição enterra o golpe*
Eliane Cantanhêde
Amanhã, três dias depois do primeiro turno da eleição
municipal, o presidente Michel Temer cumprirá uma agenda discreta, mas cheia de
significados: vai ao Supremo Tribunal Federal pouco antes das 14 horas, quando
são abertas as sessões, para uma cerimônia sóbria e rápida em homenagem à
Constituição de 1988, que completa 28 anos.
Como político experiente, três vezes presidente da
Câmara, Temer tem o lombo curtido, suporta bem os ataques e costuma ter
respostas curtas e diretas para elas. Mas, além de político, ele é professor de
Direito Constitucional e, se algo o tira do sério, é a acusação recorrente da
oposição e dos movimentos petistas de que o impeachment foi golpe e ele é
golpista. A ida ao Supremo amanhã, portanto, será um ato de fé, uma reverência
à Constituição.
Na avaliação governista, o pior do discurso do “golpe”,
do “golpista” e do “Fora, Temer” passou junto com o primeiro turno, que não
apenas ratificou o pleno funcionamento da democracia brasileira como deu a
vitória a partidos da base de Temer – PSDB, PSD e PSB, por exemplo –, e
imprimiu uma derrota acachapante aos que insistem nessas palavras de ordem e
são os alvos mais vistosos da Lava Jato.
O PT perdeu a joia da coroa, São Paulo, perdeu os anéis
em Belo Horizonte e perdeu os dedos no Rio, onde nem sequer apresentou
candidato. Também não deslanchou em Salvador, acabou em terceiro em Porto
Alegre, fez feio em praticamente todo o Nordeste, viu escorregar das mãos quase
60% das atuais prefeituras e ficou abaixo de 20% no País inteiro. As raras exceções
foram Rio Branco, onde venceu no primeiro turno, e Recife, onde disputa o
segundo contra o PSB.
Quem ainda perdeu tempo falando em “golpe” e apresentando-se
como candidato do “Fora, Temer” foi Marcelo Freixo, do PSOL, ora, ora, do Rio,
onde a elite endinheirada acha chiquérrimo se dizer de “esquerda” e conseguiu a
proeza de um segundo turno entre dois extremos: um senador da Igreja Universal
do Reino de Deus e um deputado estadual do PSOL que é professor, um cara
bacana, de um partido cheio de boas intenções, mas... terá competência,
conhecimento, experiência para driblar uma crise monumental?
O Rio não é só o bunker da tese do “golpe”, mas também um
exemplo da crise econômica, a crise Dilma Rousseff, do estatismo e da folha de
pagamentos impagável. Eduardo Paes, do PMDB, governou a cidade na Copa e na
Olimpíada, deixa museus, uma melhor mobilidade urbana, um centro restaurado e
equipamentos esportivos de ponta, mas sai com a popularidade baixa e não fez o
sucessor. Aliás, nem emplacou Pedro Paulo no segundo turno.
Como a política é campo fértil para teorias
conspiratórias, comenta-se em Brasília que não fazia sentido Paes insistir em
um candidato acusado de bater em mulher e que, talvez, maquiavelicamente, ele
quisesse sair de fininho, deixando uma bomba para explodir nas mãos de
adversários como os dois Marcelos, Crivela e Freixo. Nessa análise, seja quem
for o eleito no dia 30, as contas e o próprio Rio vão fatalmente explodir...
Raramente uma eleição municipal deixou tantas lições: a
gritaria do “golpe” já deu o que tinha de dar, a crise engoliu atuais (Lula à
frente) e futuros líderes petistas (Haddad, Fernando Pimentel, Jaques
Wagner...), o PSDB é o principal beneficiário do desastre do PT e Geraldo
Alckmin larga na frente para 2018, mas os grandes vitoriosos foram a abstenção e
os votos branco e nulo.
Por fim, o perfil que emerge para 2018 é de empresário
que se diz “não político”. Com a vitória espetacular de João Doria, deixou de
ser crime, pecado e impopular ser rico. Lula até já poderia comprar triplex e
sítio sem enganar ninguém e sem medo de perder a aura de “pobre” e de “homem do
povo”. Agora, porém, é tarde demais.
*Publicado no Portal Estadão em 04/10/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário