Gato e rato*
Eliane Cantanhêde
A ação da Polícia Federal contra a Polícia Legislativa
não apenas evolui para um mal-estar entre Executivo e Legislativo como assume
ares de literatura barata ou filme de espionagem bom de público e péssimo de
crítica. Rocambolesca, a história tem o mérito de expor à opinião pública um
aparato caro, inchado e pouco conhecido, mas deixa muitas dúvidas no ar. Num
momento como este, dúvidas só aumentam a boataria e o nível de tensão.
A Polícia Federal não agiu no Senado por sua conta e
risco, numa guerrinha de vaidades, mas sim por uma ordem judicial para apurar
delações de “contraespionagem”. Quer dizer que a Polícia Federal espiona Suas
Excelências e a Polícia Legislativa corre atrás para desarmar a espionagem? De
filme policial, desanda para pastelão.
É fato que a PF, como parte da força-tarefa da Lava Jato,
investiga políticos a torto e a direito, inclusive do Senado. É fato também que
a Polícia Legislativa existe exatamente para proteger os parlamentares de
invasões, ameaças, grampos e chantagens, inclusive com varredura de gabinetes e
de apartamentos funcionais – ou seja, de propriedade do próprio Congresso.
Há uns 20 anos, o então senador José Roberto Arruda,
depois governador cassado do DF, suspeitou que seu gabinete estava grampeado
pelo adversário Luiz Estevão, que dispunha de uma tropa particular de
policiais. O que Arruda fez? Pediu uma varredura à Polícia Legislativa. Afora o
detalhe de que Arruda e Estêvão se merecem, como a história iria mostrar,
ninguém questionou a ação da polícia interna. Logo, essa prática vem de longe.
O que o distinto público não sabia até a última
sexta-feira era que a tal Polícia Legislativa é um poder dentro do poder, com
quase 160 homens, equipamentos sofisticadíssimos, cursos até na Swat americana,
direito a salários altos, viagens e diárias e uma desenvoltura surpreendente.
Nem que seu diretor, Pedro Ricardo Araújo, manda e desmanda.
O que torna diferente a varredura no gabinete de Arruda e
a realizada em casas de José Sarney e Edison Lobão Filho (PMDB), Fernando
Collor (PTC) e Gleisi Hoffman (PT)? Resposta simples: três são investigados e o
quarto, Lobão Filho, é filho e suplente (o que já é estranho) do ex-ministro de
Minas e Energia Edison Lobão, alvo de quatro inquéritos no Supremo.
Uma coisa é a Polícia Legislativa fazer varredura contra
grampos ilegais de inimigos ou até de criminosos. Outra, bem diferente, é agir
para desarmar investigações legais em residências privadas até no Maranhão e no
Paraná – em diligências, aliás, pagas com dinheiro público. É exatamente para
separar o joio do trigo que a PF prendeu o diretor e três policiais
legislativos.
Uma certeza a PF já tem: a Polícia Legislativa dispõe de
dez “maletas” de alta sofisticação, suspeitas de serem capazes não só de detectar
grampos, mas também de fazer grampos. Mas há dúvidas, por exemplo, quanto à
versão de que o presidente Renan Calheiros afastou “Pedrão” da direção e o
recolocou dias depois. Se verdadeira, por que Renan voltaria atrás? Qual o
“poder de persuasão” de “Pedrão”? A Polícia Legislativa está a mando do Senado,
ou o Senado está nas mãos dela?
Enquanto Renan cobrava “independência entre os Poderes”,
o ministro Alexandre de Moraes e o diretor-geral da PF, Leandro Daiello,
defendiam a legalidade da operação. De quebra, Moraes avaliou que os policiais
legislativos “extrapolaram o que seria de sua competência”. A questão, porém, é
saber se quem extrapolou competências foi a Polícia Legislativa, que fez
varreduras a favor dos senadores, ou a PF, que prendeu policiais legislativos
por contraespionagem. Se há alguma conclusão, é que essa história continua
muito confusa e ainda vai longe.
*Publicado no Portal Estadão em 23/10/2016
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