‘Propinocracia’
e ‘cleptocracia’*
Eliane Cantanhêde
Na longa entrevista de ontem, com
formato e tom professoral, os procuradores da Operação Lava Jato não
apresentaram nenhum fato novo, nenhum documento novo, mas contaram uma história
com começo, meio, fim, e nexo, jogando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva no centro da “propinocracia” que depenou os cofres de empresas públicas
brasileiras. Uma história que tem evidente e até dramático impacto político,
num momento já tão turbulento do País.
Adjetivos não faltaram para definir Lula no esquema de
corrupção: “comandante”, “general”, “maestro”, “chefe”, já que tanto ele quanto
o próprio esquema continuaram e até se ampliaram e se sofisticaram depois da
saída de José Dirceu da Casa Civil e, portanto, do próprio governo Lula.
Durante o julgamento do mensalão, Dirceu foi o “chefe da quadrilha”. No
petrolão, ele volta a ser o “braço direito”, porque o “comandante” era outro:
Lula.
Segundo os procuradores, recheando a exposição com
organogramas e gráficos em que Lula está sempre no centro, em destaque, o
mensalão e o petrolão são duas faces da mesma moeda. E o elo entre elas é
justamente Lula, que passa a ser também o centro dos debates políticos, depois
do impeachment de Dilma Rousseff, há duas semanas, e da cassação do deputado
federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dois dias antes.
O estrago é monumental e é em cadeia (sem trocadilho):
deixa em frangalhos a imagem de Lula, os debates já muito tensos sobre o futuro
do PT e as chances do partido nas eleições municipais, que estão logo aí. Se já
estavam em situação difícil, os candidatos petistas ficam agora sem pai, Lula,
e sem mãe, Dilma. Quem Fernando Haddad pode chamar para seu palanque em São
Paulo, por exemplo?
Como tudo na vida tem dois lados, e como Lula e o PT
sempre foram bons de marketing, a reação deles será a vitimização. Na campanha,
nas entrevistas, nas redes sociais, atacarão o juiz Sérgio Moro, o Ministério
Público Federal, a Polícia Federal e até a imprensa, que divulga os fatos.
Quando não há defesa, parta-se para o ataque. Às vezes dá certo, às vezes não.
Mas é o que resta a Lula e ao PT.
Quanto ao governo Michel Temer, só resta fingir que não é
com ele. A orientação no Palácio do Planalto é não haver comentários e muito
menos comemoração diante da desgraça do parceiro de até poucos meses atrás.
Primeiro, porque Temer não lucraria nada com isso. Segundo, porque nunca se
sabe o que pode surgir sobre a cumplicidade do PMDB na “propinocracia” do PT.
Essa palavrinha, aliás, lembra o ministro Gilmar Mendes,
do Supremo Tribunal Federal (STF), que acusou os governos do PT de
“cleptocracia” com um “plano perfeito” para se eternizar no poder. Logo, a
força-tarefa da Lava Jato e o ministro estão falando a mesma língua. Uma língua
ferina, que conta uma história que certamente terá efeitos políticos, jurídicos
e policiais.
*Publicado no Portal do jornal Estadão em
15/05/2016
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