Os descaminhos de
Dilma*
No exercício interino da Presidência e prestes a se
tornar sucessor da presidente afastada – e a despeito das dificuldades
decorrentes das circunstâncias excepcionais que o colocaram na função –, Michel
Temer tem ensinado a Dilma Rousseff e ao PT uma lição elementar, que Lula não
conseguiu transmitir a sua pupila. A de que governar um país, numa democracia,
é um enorme desafio de natureza essencialmente política que não comporta soberba,
autoritarismo, desapreço pelo contraditório. Egocêntrica, Dilma fez questão
sempre de exibir seu poder, em vez de fazê-lo prevalecer pelo caminho
democrático da adequação de meios a fins. Tentou levar a extremos o princípio
inverso, autoritário, de que os fins justificam os meios. O resultado está aí.
É inacreditável a postura olímpica de Dilma Vana
Rousseff, às vésperas de ter seu impeachment decretado, em relação à sua
própria responsabilidade na grave crise da qual o País luta para se
desvencilhar. Está prevista para o dia 10 a divulgação de uma Carta aos
Brasileiros na qual ela exporá argumentos que julga capazes de atingir o
principal objetivo da iniciativa: reverter a seu favor o julgamento final do
impeachment previsto para se realizar no Senado no fim deste mês. A julgar pelo
comportamento que Dilma tem adotado desde sempre, é fácil imaginar o teor da
tal Carta: a proposta de soluções que ela própria não teve a capacidade de
adotar enquanto governava e, principalmente, o indigitamento dos culpados pelos
problemas do País – da direita inimiga do povo ao PT, passando pela “mídia
monopolizada”. Um amplo elenco do qual ela nunca teve o menor escrúpulo de se
excluir, embora tenha sido chefe do governo por mais de cinco anos.
É tão desmedida sua soberba que Dilma baniu a primeira
pessoa de qualquer consideração negativa da gestão pública pela qual ela foi a
responsável constitucional até semanas atrás. Ela jamais admitiu ter alguma
culpa pelo descontrole das contas públicas, pela recessão da economia e, consequentemente,
pelo brutal aumento do desemprego e pela diminuição dos recursos disponíveis
para programas sociais que são considerados a maior realização dos 13 anos de
lulopetismo. Tudo é culpa de terceiros. Quando não é da conjuntura
internacional adversa, é da oposição desalmada que sabotou seu governo com
pautas-bomba no Congresso ou da mídia a serviço das elites que não consegue
enxergar os méritos de um “governo popular”.
Mas, se não consegue ser minimamente fiel à realidade – o
que implica dizer que quem está errada é a maioria absoluta dos brasileiros que
hoje a repudiam –, Dilma não consegue tampouco dedicar um mínimo de fidelidade
ao partido político que a inventou e a carregou nas costas em duas eleições
presidenciais. Na terça-feira passada, Dilma foi implacável com o PT: “Eu
acredito que o PT tem de passar por uma grande transformação. Primeiro, uma
grande transformação em que se reconheçam todos os erros que cometeu, do ponto
de vista das práticas, da questão ética, da condução de todos os processos de
uso de verbas públicas”.
Dilma aconselhou o partido a fazer aquilo a que ela
própria se recusa: “A instituição, que é o PT, tem de ser preservada, tem de
ser melhorada, tem de ser redemocratizada. (...) As pessoas é que têm de fazer
as suas autocríticas”.
É fácil entender, diante disso, por que a direção do PT,
embora ainda procure manter as aparências, está cada vez mais distante daquela
a quem só aceitou como candidata à Presidência por imposição de seu então
todo-poderoso chefão, Lula da Silva. E com a qual, ao longo de cinco anos de
mandato presidencial, teve frequentes desencontros, como por ocasião da
“faxina” ministerial que ela tentou promover logo no início do primeiro mandato
ou quando, no início do segundo, o Ministério da Fazenda foi entregue ao
“liberal” Joaquim Levy, que tentou em vão impor um mínimo daquilo que o
populismo lulopetista jamais praticou: austeridade no trato dos recursos
públicos. Bem a seu estilo, Dilma renega hoje o PT com o qual jamais se
entendeu. Um enorme erro político pelo qual está pagando caro.
*Publicado no estadão.com em 04/08/2016
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