Antes tarde do que nunca*
A imagem pública dos parlamentares brasileiros e dos
políticos em geral nunca foi exatamente positiva e piorou muito a partir dos
escândalos revelados pela Operação Lava Jato e congêneres. Deputados e
senadores consideram-se perseguidos e injustiçados pelo estigma da corrupção e
não se conformam, muitos com razão, com a generalização dessas acusações. Esse
sentimento majoritário de repulsa dos brasileiros aos desvios de conduta de
seus representantes no Congresso Nacional está hoje tão enraizado que certamente
levará um bom tempo para mudar a partir do instante em que houver razões para
tanto. Mas aos deputados, em particular, está sendo oferecida uma excelente
oportunidade de acelerar o processo de reconquista do apoio e respeito
populares: a discussão do pacote de medidas contra a corrupção. Ele está
travado há mais de um ano na Câmara e agora o novo presidente da Casa, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), anuncia que quer vê-lo aprovado até 9 de dezembro, Dia do
Combate à Corrupção.
O presidente da Câmara reuniu-se na terça-feira com
representantes do Judiciário e do Ministério Público e com um grupo de
deputados, entre eles o relator do projeto na comissão especial designada para
debater a matéria, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Com o apoio de todos, Maia garantiu
que dará prioridade à tramitação desse pacote de projetos. São dez medidas
destinadas a aperfeiçoar, acelerar e tornar mais rigoroso o processo de
investigação e julgamento dos casos de corrupção na gestão da coisa pública. É
mais uma boa notícia que o renovado comando da Câmara dos Deputados dá ao País.
O pacote anticorrupção foi elaborado basicamente a partir
da iniciativa dos procuradores federais envolvidos na Lava Jato e tornado
público pelo procurador-geral Rodrigo Janot em março do ano passado. Chegou ao
Congresso Nacional subscrito por mais de 2 milhões de brasileiros, exatamente
no momento em que centenas de milhares de manifestantes saíam às ruas, em todo
o País, para protestar contra a corrupção e o desgoverno e exigir o impeachment
da presidente da República.
Com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, mais
interessado na queda de braço com o Palácio do Planalto como meio de fortalecer
seu próprio poder político, o pacote anticorrupção permaneceu engavetado, até
porque jamais despertou a simpatia do baixo clero, que o hoje afastado
parlamentar fluminense liderava. De fato, as medidas propostas são assustadoras
para quem se habituou a se proteger com o escudo da imunidade parlamentar e do
foro privilegiado. Mais de 20% de membros do Congresso Nacional são investigados,
réus ou condenados por corrupção.
O pacote prevê, por exemplo, o aumento da pena máxima
para corrupção de 12 para 25 anos e a classificação dessa infração como crime
hediondo. Outra medida atinge diretamente os partidos políticos denunciados por
corrupção, que poderão sofrer multas proporcionais aos valores desviados e, nos
casos mais graves, serem punidos com a suspensão do funcionamento de diretórios
por até quatro anos ou até mesmo terem o registro de funcionamento cassado.
Na apresentação do pacote, em março do ano passado, um
dos responsáveis pelo trabalho, o procurador Deltan Dallagnol, chegou a ser
dramático: “A corrupção rouba a comida, o remédio e a escola dos brasileiros.
Quem rouba milhões mata milhões”. Descontado o arroubo retórico, o fato de
homens públicos se locupletarem com recursos por definição destinados ao bem
comum é uma vilania realmente merecedora de julgamento implacável e punição
rigorosa, pois vitimiza principalmente os cidadãos mais carentes de
investimento público.
Uma vez submetido ao escrutínio parlamentar e escoimado
de eventuais demasias, o pacote anticorrupção, ao qual o novo presidente da
Câmara promete garantir uma tramitação a salvo de manobras procrastinatórias, é
um poderoso trunfo com o qual os deputados poderão contar, se estão realmente
dispostos a recuperar a confiança popular perdida ao longo de mais de uma
década em que o Parlamento se transformou em mero balcão de negócios a serviço
de um projeto de poder irresponsavelmente populista.
*Publicado no estadão.com em 24/07/2016
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