Cadê ‘o povo’?*
Eliane Cantanhêde
Cumpriu-se a profecia de Eduardo Campos: Dilma Rousseff é
a única presidente do Brasil contemporâneo a deixar o País pior, muito pior, do
que encontrou. Michel Temer não assumiu interinamente “só” com o desafio de
recuperar a confiança, reequilibrar as contas públicas e aquecer a economia de
forma a acolher o máximo possível dos 11 milhões de desempregados – o que já é
um trabalho hercúleo. Ele terá, também, de refazer o governo, desaparelhar o
Estado e restaurar as instâncias de controle, como a inteligência e as agências
reguladoras. A sensação é de terra arrasada.
Ao lançar Dilma para a primeira eleição, em 2010, Lula
contou como se encantara com aquela moça tão disciplinada, que andava para lá e
para cá com um laptop e tinha todas as respostas na ponta da língua. Foi assim
que Dilma, que não era próxima dele, não é da história do PT e nunca tinha tido
destaque nacional, virou ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil e,
enfim, candidata à Presidência, por um único motivo: Lula quis, quis porque ela
era... craque no Google.
No seu derradeiro discurso no Planalto ontem, ladeada por
ministros, parlamentares e amigos petistas, Dilma repetiu o mesmo discurso de
sempre, atribuindo a desagregação política e o desastre na economia à oposição.
Não ganhou um voto com isso nesses meses. E não convenceu ninguém ontem. A
maioria da Câmara, do Senado, dos agentes econômicos, dos analistas e da
opinião pública não comprou a versão.
Dilma sai porque, apesar de manejar bem um computador,
não sabe negociar, ceder, ouvir – nem mesmo o padrinho Lula –, nem compreender
o jogo da política. Porque, apesar de economista, tomou decisões erradas na
macroeconomia, na gestão dos juros, na intervenção no setor elétrico. E porque,
apesar de “técnica”, cumpriu à risca a única coisa que aprendeu na política:
“fazer o diabo” para ganhar eleições. Daí as pedaladas fiscais, o descalabro
das contas públicas.
“Estou vivendo a dor da traição e da injustiça”, disse
Dilma ontem, com voz surpreendente firme e segura, ao se despedir do Planalto
sem jamais ter admitido claramente seus erros. Se não admitiu, também não
aprendeu com os próprios erros. Entrou e saiu do governo sem perceber que
ganhar eleição é só o começo; o problema é governar depois. Especialmente
depois de prometer – e fazer – “o diabo”.
Para Temer, muda-se o verbo, não o princípio: chegar ao
poder é só o começo; o problema é governar depois. Especialmente quando se
chega lá sem as urnas, precisando conquistar legitimidade pela imagem, pela
palavra, pela ação – e por resultados que, no seu caso, têm de ser já. Apoio
político e sólida base aliada no Congresso ele tem, boa vontade dos mercados,
também. Mas lhe falta o principal: confiança popular.
A foto do dia da votação do Senado que a afastou foi do
fotógrafo Dida Sampaio: Dilma e Jaques Wagner puxando a cortina do Planalto e
olhando os arredores do Congresso e do palácio, como que repetindo a surpresa
de Jânio Quadros depois da renúncia: “Cadê o povo?”. O povo, que é agente da
mudança e desde junho de 2013 vai às ruas, foi o grande ausente nesta semana
tão intensa em Brasília. Algumas centenas de militantes foram apoiar a saída de
Dilma do Planalto. Um único cidadão se dignou a prestigiar a posse de Temer do
lado de fora.
Militante petista está sempre a postos para quando seu
mestre Lula mandar. Mas Temer não tem militantes, movimentos organizados e
“povo”. Entre tantos e tão graves desafios, ele vai, de um lado, tourear MST,
CUT, UNE e MTST e, de outro, lutar por índices nas pesquisas e por gente de
carne e osso – especialmente as mulheres, mais da metade da população – que
acredite e torça para que realmente dê um jeito nesse País tão pior que Dilma
deixou.
*Publicado no Estadão.com em 13/05/2016
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