A contaminação do PT*
É uma história bem triste: lá estavam eles, os épicos
petistas, empenhados em salvar o povo brasileiro da opressão quando, não mais
que de repente, “eles” chegaram e “contaminaram” o PT com o “financiamento
empresarial de campanhas” por meio do qual “as classes dominantes se articulam
com o Estado”. Embora tenham, supõe-se, resistido bravamente, os petistas
acabaram “envolvidos em práticas de partidos tradicionais”.
Parece piada, mas é exatamente esse o estapafúrdio
argumento central da “autocrítica” feita pelos dirigentes nacionais do PT, na
qual admitiram erros na condução da economia, todos eles atribuídos a Dilma
Rousseff.
O presidente do partido, Rui Falcão, fez questão de
explicar que o PT não está “pedindo desculpas nem fulanizando avaliações”, mas
admite: “Pontuamos como autocrítica, por exemplo, o fato de tardarmos a
reconhecer que havia um esgotamento da política de desenvolvimento que
imprimimos”. Mas a direção nacional petista, fingindo acreditar que Dilma
Rousseff voltará a exercer a Presidência da República, deixou claro, no
documento que serviu de base para discussão no encontro, que a responsabilidade
pelo “erro” é toda dela: “O Partido dos Trabalhadores propõe que a presidenta
Dilma Rousseff apresente rapidamente um compromisso público sobre o rumo de seu
governo, depois de derrotado o golpismo, defendendo uma ampla reforma política
e medidas capazes de retomar o desenvolvimento, a distribuição de renda e a
geração de empregos”.
Quanto à “ampla reforma política”, Falcão não se deu ao
trabalho de explicar por que o PT não moveu uma palha para promovê-la nos 13
anos em que ocupou o poder, embora a explicação pareça implícita na admissão do
fato de que o partido foi “contaminado” e preferiu dedicar-se a usufruir os
benefícios da corrupção que instituiu como método de cooptação política e de
fundamento da “governabilidade”.
Quanto à economia, o documento petista persevera no
voluntarismo – ou caradurismo – que é a principal característica de seu
populismo irresponsável. Propõe para o triunfante regresso de Dilma a
demagógica obviedade de “medidas capazes de retomar o desenvolvimento, a
distribuição de renda e a geração de empregos”, como se essas medidas pudessem
se concretizar pela simples vontade dos governantes. Ora, o desenvolvimento
econômico é desejado por todo mundo, não apenas pelos petistas. Mas foi a
incompetência e teimosia do governo do PT que resultaram não no desejado
desenvolvimento, mas em retração econômica, com suas graves consequências
sociais. Essa tragédia é produto da absoluta inépcia administrativa do
lulopetismo, aliada à espoliação sistemática do Tesouro e dos recursos da
Nação.
A distribuição de renda de que falam os lulopetistas é
outra empulhação paternalista, porque, por razões eleitorais, querem fazer o
povo acreditar que se trata da ação unilateral de um governo generosamente
disposto a “distribuir” dinheiro do próprio bolso – como se esse dinheiro não
fosse de todos –, escamoteando o fato de que a verdadeira distribuição de renda
é o justo compartilhamento, por toda a sociedade, da riqueza que ela própria
cria. Bolsa Família, por exemplo, não é distribuição de renda. É medida
governamental de emergência destinada a atender carências básicas.
Finalmente, “geração de emprego”, condição indispensável
ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social, é uma expressão que hoje
o PT deveria ter vergonha de mencionar, já que os cerca de 14 milhões de
brasileiros evidenciam o retumbante fracasso de sua “nova matriz econômica”.
Afastado do poder como consequência dos crimes de
responsabilidade de que Dilma Rousseff é acusada, e também porque se demonstrou
incapaz de abrir para os brasileiros as portas do prometido Paraíso, o PT
preocupa-se agora exclusivamente com sua sobrevivência política. Dividido, não
consegue definir a melhor estratégia para recuperar o prestígio perdido. Muitos
petistas, como Lula, pensam em “voltar às raízes” e reencetar a luta por um
“governo popular”.
Não será tarefa fácil, porque perdeu a identidade, a
credibilidade e o poder de garantir o apoio de movimentos “de esquerda”
mantidos com verbas públicas. Foi no que deu ter-se deixado “contaminar”, não
pelas “classes dominantes”, mas pelo embuste e pela corrupção.
*Publicado no Estadão.com, em 21/05/2016
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