Só restou a
truculência*
A presidente
Dilma Rousseff sofreu mais uma significativa derrota na tramitação do processo
de impeachment no Congresso. A comissão do Senado que avalia o caso escolheu
como relator o tucano Antonio Anastasia (MG), ligado ao presidente do PSDB,
Aécio Neves. Os governistas tentaram de todas as formas impedir que Anastasia
fosse eleito, mas o colegiado foi implacável: seu nome foi avalizado com apenas
5 votos contrários entre os 21 membros titulares, placar que reitera a
galopante desvantagem de Dilma na luta contra o impeachment.
Essa desvantagem
tende a crescer, porque o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em
quem o Palácio do Planalto depositava a esperança de manipular o processo em
seu favor, demonstrou indisposição para interferir nas escolhas da comissão e
no prazo para a conclusão dos trabalhos, que a maioria oposicionista pretende
encurtar.
Os seguidos
reveses de Dilma e do PT no campo institucional – na Câmara, no Senado e no
Supremo Tribunal Federal, que avalizou todo o processo de impeachment até aqui
– certamente explicam o destempero do chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva,
que chamou sua tropa para ir às ruas e desestabilizar um eventual governo de
Michel Temer.
Sem argumentos
legais ou políticos para derrubar o impeachment, já que o afastamento de Dilma
é consenso entre os brasileiros e segue estritamente a previsão constitucional,
Lula deixou de lado o pouco que lhe restava de responsabilidade e partiu para o
ataque frontal às instituições.
Em encontro da
Aliança Progressista, que reúne partidos de esquerda de várias partes do mundo,
Lula disse que Dilma é vítima de “uma aliança oportunista entre a grande
imprensa, os partidos de oposição e uma verdadeira quadrilha legislativa, que
implantou a agenda do caos”. Essa frase – que estava num discurso escrito, ou
seja, não foi dita de forma impensada – resume o atentado que Lula da Silva e
seus comparsas estão dispostos a cometer contra a democracia no Brasil.
Incapaz de
reunir os votos necessários para impedir o impeachment, nem mesmo depois de
tentar comprar deputados num quarto de hotel em Brasília, Lula agora
desqualifica o mesmo Congresso que lhe foi tão útil nesses anos todos – e que,
acima de qualquer consideração sobre sua qualidade, foi eleito pelo voto direto
e, portanto, é legítima representação popular.
No discurso,
Lula disse também que o impeachment é uma “farsa” que “envergonha o Brasil aos
olhos do mundo”, como se a grande vergonha brasileira não fosse a devastadora
corrupção capitaneada pelo PT e seus acólitos, que gangrenou as estruturas do
Estado, arruinou a Petrobrás e rebaixou a política nacional a um ordinário
balcão de negócios.
O que se vê é
Lula fazendo o possível para ampliar essa vergonha, lançando no exterior sua
campanha para desacreditar as instituições democráticas. Àqueles dirigentes
partidários estrangeiros, o chefão petista disse que “em todo o mundo há vozes
responsáveis alertando para os riscos de um golpe de Estado no Brasil” e pediu
aos colegas que “levem a seus países a mensagem de que a sociedade brasileira
vai resistir ao golpe do impeachment”.
O problema, para
Lula, é que sua voz já não tem o vigor dos tempos em que se julgava um grande
líder mundial. A campanha movida por ele e por Dilma para sensibilizar governos
e entidades mundo afora contra o tal “golpe” tem sido um completo fracasso.
Nem mesmo a
União das Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco de inspiração bolivariana,
conseguiu aprovar alguma moção de repúdio ao impeachment.
Mas Lula não
parece se importar com o vexame. “As ameaças à democracia no Brasil e na
América Latina dizem respeito a toda a comunidade mundial. Dizem respeito à
luta entre civilização e barbárie”, disse o líder da tigrada. Ele tem razão:
hoje, mais do que nunca, é preciso defender a civilização, calçada no respeito
às leis, contra a barbárie, representada pela truculência daqueles que, por não
terem mais um pingo de dignidade, não sabem perder.
*Publicado no Estadão.com em 27/04/2016
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