Sob vara*
Eliane Cantanhêde
Tanto o ex-presidente Lula quanto o
filho dele, Fábio Luiz, foram informados com antecedência de que acordariam na
sexta-feira com a polícia tocando a campainha com um “convite” para que fossem
depor. Fábio Luiz despachou os filhos na véspera para a casa da avó materna e,
no dia “D”, acordou cedo, tomou banho, arrumou-se e, antes das 6h, já estava
pronto para receber os policiais. “De pijama é que não me pegam”, teria dito.
Os partidários de Lula acusam o juiz
Sérgio Moro, a Polícia Federal, o Ministério Público e a Receita Federal de
produzirem um “espetáculo”, como parte de uma estratégia para jogar a opinião
pública contra o ex-presidente, a atual presidente e o partido de ambos. Mas,
de outro lado, os que se opõem a Lula também acusam Lula de ter maquinado com
tempo suficiente o seu próprio “espetáculo” durante e depois da operação
policial. Nada foi de surpresa, nada foi por acaso.
É assim que as várias crises chegam a
um novo estágio: o embate direto entre Lula e Moro, para definir no imaginário
popular quem é o “bem” e o “mal”, ou quem é o “bom” e o “mau”. Isso,
obviamente, tem um reflexo direto nos ânimos das ruas, que serão o palco da
guerra política não apenas no próximo domingo, dia 13.
A condução coercitiva de Lula dividiu
o mundo político e provocou reações apaixonadas na sociedade. Uns, como o
ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, consideram que levá-lo “sob vara” foi
um “ato de força”, um “excesso”. Outros, até mesmo advogados, consideram que
foi mais um gesto educativo para mostrar que “todos são iguais perante a lei”.
Entre os dois polos, há também as
vozes que unem experiência e contemporaneidade, como o jurista Carlos Velloso,
que estava no Supremo durante o impeachment de Fernando Collor e disse no
programa Roda Viva,
da TV Cultura, mais ou menos o seguinte: “Eu não pediria (a condução coercitiva), mas não vejo excesso do juiz Sérgio Moro, porque
havia motivo”. Velloso ressalvou que o juiz teve o cuidado de pedir o convite,
deixando a coercitiva apenas como alternativa, caso houvesse resistência.
Segundo relatos, ora do delegado
encarregado, ora publicados pela imprensa, Lula teve reações curiosas quando a
polícia bateu à sua porta. Teria perguntado: “Cadê o japonês?”. E teria dito
que só iria algemado. E depois usou de todo o seu carisma e verve para falar
aos seus seguidores. Se Lula condena Moro por um “espetáculo”, pretendeu
combater espetáculo com espetáculo, numa estratégia de vitimização.
Na opinião de Velloso, do alto dos
seus 80 anos, “Lula falou para militantes encantados, mas a sociedade ficou
estarrecida”. Sim, porque a sociedade espera ouvir dele o que a militância
releva: explicações objetivas para a montanha de suspeitas. E elas devem
piorar.
A condenação de Marcelo Odebrecht por
corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa tende a causar um
estouro da boiada de empreiteiros e grandes executivos do setor para fechar
delações premiadas. Até as secretárias – aquelas que costumam saber tudo –
entram nessa fila. Se Marcelo, que é Marcelo, pegou quase 20 anos, devem estar
apavorados: “Imagina nós?!”
As delações das empreiteiras e as
manifestações de rua jogam ainda mais lenha na fogueira do impeachment da
presidente Dilma Rousseff. CUT, MST, UNE e sindicatos fizeram um barulho danado
contra a condução coercitiva de Lula, mas não deram um pio para defender Dilma
da pré-delação de Delcídio Amaral. E ameaçam fazer qualquer coisa a favor de
Lula, mas não demonstram tanto entusiasmo pró-Dilma.
Só falta o PMDB aproveitar a
convenção de sábado, véspera das manifestações, para abandonar o barco. Essa
possibilidade vem tomando corpo (e a alma) no maior partido da base aliada,
naquele jeito peemedebista de ser: pulando do governo, mas agarrado aos cargos.
*Publicado no Portal do jornal
Estadão, dia 09/03/2016
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