No PT, acredita quem quer
O ESTADO DE S.PAULO
17 Dezembro 2014
O
Partido dos Trabalhadores (PT), envolvido nos maiores escândalos de corrupção
do Brasil na última década, está preocupado com sua imagem. Conforme dirigentes
do partido discutiram em recente reunião da corrente majoritária da legenda
"Partido que Muda o Brasil", o PT precisa agir para resgatar a aura
"ética" que criou e cultivou nos primeiros anos de sua existência.
Mais uma vez, os petistas apostam tudo na propaganda como forma de construção
da realidade. No entanto, está cada vez mais claro que a imagem de partido que
abriga corruptos não está associada ao PT à toa - e será preciso muito mais do
que golpes de marketing para alterar essa percepção.
"É
preciso passar o PT a limpo", disse Jorge Coelho, um dos vice-presidentes
do partido, durante o encontro. A recomendação é pertinente, mas é difícil de
acreditar que haverá qualquer esforço autêntico para que essa limpeza seja
realmente realizada. Não se trata de ceticismo, mas de constatação: basta
lembrar que os principais dirigentes do partido envolvidos no escândalo do
mensalão, por exemplo, foram tratados pela militância e pelos líderes petistas
como "presos políticos" e "guerreiros do povo brasileiro".
Agora,
com a roubalheira na Petrobrás sendo exposta em detalhes sórdidos, para dar a
impressão de que não tolera corrupção, o PT aprovou uma resolução segundo a
qual os filiados envolvidos em falcatruas serão expulsos. Tal disposição para
lidar com os malfeitores como se deve, dizem os dirigentes petistas, ficou
comprovada pela posição adotada pelo partido no processo contra o deputado
André Vargas na Câmara. A bancada do PT foi orientada a votar a favor da
cassação do ex-petista, denunciado por sua ligação com o doleiro Alberto
Youssef, pivô do escândalo da Petrobrás. "Quando o PT pede a cassação do
André, dá um exemplo concreto", disse o presidente nacional do partido,
Rui Falcão.
A
singela narrativa petista, contudo, tem falhas de roteiro. A principal é que
Vargas estava havia mais de 20 anos no partido, sendo uma de suas principais
lideranças. Por essa razão, é preciso muito esforço para crer que, na cúpula
petista, ninguém soubesse de suas traquinagens. O fato é que Vargas perdeu
apoio no PT somente quando o escândalo que o envolvia começou a ameaçar os
planos eleitorais do partido - e então ele foi pressionado a abandonar a
legenda à qual prestou tantos serviços, entre os quais desqualificar os
ministros do Supremo Tribunal Federal que condenaram os caciques petistas à
prisão no caso do mensalão.
Como
o resgate da imagem "ética" do PT não pode ter contradições como
essa, o partido decidiu criar uma TV na internet para dar a sua versão dos
fatos. O projeto se alinha à tese segundo a qual foi a imprensa que criou o
mito da corrupção petista e que é necessário mostrar ao País que, ao contrário
do que sugere o noticiário diário, o PT não é conivente com as fraudes e os
desvios de dinheiro público. A esse propósito - e fica aqui a sugestão de pauta
para a TV petista -, seria interessante conhecer a versão do partido para a
manutenção de João Vaccari Neto como seu tesoureiro, a despeito das inúmeras
denúncias de seu envolvimento com o escândalo da Petrobrás.
Toda
essa mobilização marqueteira tem um único propósito: salvar a candidatura de
Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2018. O recurso à nostalgia petista
em relação a seu passado imaginário, no qual o partido se apresentava como uma
forma de ruptura em relação a "tudo o que está aí", é articulado diretamente
pelo ex-presidente. No 5.º Congresso do PT, por exemplo, Lula disse que os que
não têm "compromisso ético" devem sair do partido.
Na
mesma ocasião, o ex-presidente reconheceu que o PT "comete erros",
mas isso é resultado de seu gigantismo, pois, segundo suas palavras, "não
existe no mundo nenhuma experiência política mais bem-sucedida do que o
PT". Foi esse portento, segundo o ex-presidente, que criou os instrumentos
para acabar com a roubalheira no Brasil - até a delação premiada, que está na
legislação desde 1990, foi citada por ele como obra petista. É assim, com esse
nível de mistificação, que Lula e seus correligionários querem fazer o País
acreditar que o PT, ao contrário das evidências, é um campeão da luta contra a
corrupção.
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