Um debate abastardado
O
ESTADO DE S.PAULO
11 Setembro 2014
Seria engraçada se não
fosse deplorável a troca de acusações entre as candidatas Dilma Rousseff e
Marina Silva sobre quem é mais submissa aos banqueiros. Começou, como sabem
todos quantos tiveram a desventura de ouvi-las, com um ataque rombudo da
presidente à promessa da adversária de que, eleita, encaminhará projeto de lei
para tornar o Banco Central (BC) autônomo em relação aos governos de turno e ao
Congresso Nacional. Em um vídeo de propaganda, na segunda-feira à noite, Dilma
se pôs a "explicar" ao público o que significaria, no seu entender, o
que "parece algo distante da vida da gente, né?". Seria nada menos do
que "entregar aos banqueiros" um poder imenso "sobre a sua vida
e a de sua família". Seu fiel escudeiro, Marco Aurélio Garcia, completou a
estultícia: "Se houver essa independência, que será a dependência dos
bancos privados, teremos a impossibilidade de formular políticas
macroeconômicas e de desenvolvimento".
Marina replicou por baixo; fulanizou a discussão, disparando que "nunca os banqueiros ganharam tanto" como no atual governo, graças à "bolsa empresário", à "bolsa banqueiro", à "bolsa juros altos". Trata-se de uma rajada de despropósitos, a começar do primeiro, que deve ter caído no meio empresarial, que carrega um caminhão de justas queixas da assim chamada política econômica, como uma massagem de sal nas suas feridas. De mais a mais, funcionando como funciona o BC, a inflação supera a meta e a economia cambaleia entre a recessão e um pífio crescimento de menos de 1%.
A personalização da pendenga era tudo o que Dilma queria, desde que tomou a decisão (ou tomaram por ela) de partir para cima da rival, trocando as luvas pelo soco inglês. A campanha da presidente parece ter concluído que as suas chances de dar a volta por cima no segundo turno, desmentindo as pesquisas que apontam a vitória da pregadora da "nova política", variam na razão direta da competência de Dilma em oxidar a aura graças à qual a ex-petista, concorrendo pelo Partido Verde, colheu desconcertantes 19,6 milhões de votos na disputa de 2010. A presidente há de ter intuído que, se é para falar em banqueiros - atrás apenas dos políticos entre os campeões do desafeto nacional, especialmente na população mais pobre -, o negócio é vincular a desafiante aos vice-líderes desse inglório duelo. E mandou ver.
"Não adianta querer falar
que eu fiz 'bolsa banqueiro'", retrucou. "Eu não tenho banqueiro me
apoiando. Eu não tenho banqueiro me sustentando." É preciso ser muito desinformado
para ignorar a pontiaguda alusão à educadora Maria Alice Setubal, a Neca, cujo
irmão Roberto preside o Itaú Unibanco, o que a torna herdeira da instituição.
Amiga de longa data de Marina, ela coordena o seu programa de governo e faz a
ponte entre a candidata e o empresariado (que a olhava de soslaio quando era
vice na chapa de Eduardo Campos). Segundo a Folha de S.Paulo, no ano passado
Neca doou perto de R$ 1 milhão para um instituto criado por Marina para
desenvolver projetos sobre sustentabilidade. O valor equivale a 83% do total
arrecadado no período.
A troca de desaforos terminou - ou ficou interrompida - com Marina perdendo o prumo. "O Banco Central autônomo", argumentou, juntando tudo e misturando, "é para ter autonomia dos grupos que acabaram com a Petrobrás." Mas isso é o de menos. O de mais é que é de pasmar: a naturalidade com que as candidatas mais cotadas para adentrar ou permanecer no Planalto em 2015 se puseram a abastardar um debate de grande importância para a condução do Brasil - como é naqueles países com os quais aspiramos a ser comparados. O grau de liberdade da autoridade monetária não apenas para fixar a taxa básica de juros, mas também a política de câmbio, além de zelar pela integridade do sistema financeiro, não deveria ser objeto de tiradas marqueteiras.
A escassa familiaridade da grande
maioria dos brasileiros com o assunto deveria ser um motivo a mais para que os
presidenciáveis se guardassem de usá-lo como tacape eleitoral. Fazendo a coisa
errada, escancaram a pobreza substantiva das suas campanhas. A videopolítica,
que privilegia o componente pessoal da competição pelo voto sobre o que
efetivamente os competidores têm a oferecer ao País, completa o desserviço.
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