sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Crônica

E se eu ganhasse na Mega-Sena?

André Machado*

Não acertei na Mega-Sena acumulada da última quarta-feira (19/02). E, como todo mundo que jogou, fiz de conta que não estava nem aí para o sorteio, que não tinha a menor expectativa de ganhar. Mas no fundo, também como todo mundo, claro que eu tinha.
Discretamente, comecei a fazer contas. Eram R$ 105 milhões como prêmio. Numa aplicação financeira conservadora, a bolada me renderia, mensalmente, um “salário” de mais ou menos R$ 1 milhão. Que tal? Salário de craque do futebol europeu, e olhe lá. Quem não quer?
Com esse rendimento mensal, dá pra viver muitíssimo bem por uns cinco anos: viagens, casa nova, carro novo, guarda-roupa novo. E mais, muito mais. Ajeitar a vida dos amigos e da família, empregar mais tempo em trabalho voluntário, ajudar creches, lares de idosos. Pagar faculdade pra quem não pode, ajudar uma senhora que precisa comprar uma máquina de costura nova, comprar um ar condicionado a algum hipertenso que sofre com o calor. Patrocinar aulas de alfabetização de adultos. Custear intercâmbio internacional para um aluno da rede pública. Tanta coisa mais… E falo em cinco anos porque só depois a gente pensa em mexer no valor principal, que até lá estará intacto. Talvez até maior.
Daí, começo a pensar. Nadar em dinheiro não deve ser ruim. Mas será que eu preciso tanto pra viver plenamente? E sabe o que está errado nesse sonho que brota do desejo de fortuna? Muito.
Primeiro, por melhor que fosse a intenção, eu estaria assumindo funções que não são as minhas, não são as do indivíduo. Eu estaria brincando de ser Estado. E, aos que acreditam, brincando de ser Deus.
Mas o pior não é isso. O pior é a zona de conforto criada por esta expectativa. Posso me descuidar e acabar postergando o exercício da minha parcela, aí sim, real, de responsabilidade pela sorte dos outros, dos que estão à volta. Daqueles que, como eu, não ganharam na Mega-Sena. Só que tiveram uma sorte muito pior do que a minha.
Conhece aquele ditado, “o maior inimigo do bom é o ótimo”? Pois bem. A gente não precisa de R$ 1 milhão por mês pra fazer ao menos uma parte de cada um desses exemplos que citei mais acima. Faça esta experiência a releia o terceiro parágrafo. Você vai ver que, na maioria dos casos, é possível resolver um pedacinho de cada um desses problemas, ou de outros, parecidos, exatamente nas condições em que você vive hoje.
Às vezes a fortuna vem de um só golpe. Em forma de Mega-Sena. Em outros casos, ela pode vir em lascas, em pequenas porções que, somadas, compõem uma riqueza incalculável. A essas pessoas que você pode ajudar hoje mesmo, com gestos singelos e riquíssimos em humanismo e solidariedade, a fortuna pode estar chegando. Vale pra você. Vale pra mim. Vale pra todos. E não precisa ganhar na loteria.
Aproveite o dia.

*Jornalista

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