terça-feira, 24 de setembro de 2013

Artigo

Estou impressionado com a repercussão do artigo do jornalista César Cabral sobre a necessidade do diploma ou registro para o exercício da profissão. Hoje estou publicando a segunda parte. Não perca.

“Para ser jornalista, é preciso ter uma formação cultural, sólida, científica ou humanística”.   

César Cabral*

Argumentos prós e contras ao tal diploma não faltam. E tampouco exemplos. Carl Bernstein e Bob Woodward, dois repórteres do jornal Washington Post, dos Estados Unidos, publicaram na primeira página, em 1972, a invasão do Comitê Nacional do Partido Democrata norte americano, instalado em um dos prédios do complexo de edifícios chamado Watergate.
Durante meses a dupla de repórteres investigou o caso, que ficou conhecido como “o caso Watergate” até descobrirem ligações da Casa Branca, ocupada por Richard Nixon do Partido Republicano. O Presidente Nixon mandara invadir a sede do Comitê Nacional do Partido Democrata. Esses dois jornalistas sem diploma provaram que o Presidente era o mandante. Nixon renunciou. Nos EEUU não existe essa tola exigência de diploma de curso de jornalismo e nem na maioria dos países europeus.
José de Alencar, Graciliano Ramos, Rui Barbosa, Guimarães Rosa, Joel Silveira, Guilherme de Almeida, Quintino Bocaiúva, Paulo Francis, Fernando Sabino, Tarso de Castro, Samuel Wainer, Líbero Badaró, todos dessa terra brasilina, foram jornalistas sem diploma. E Dostoiewisky, Truman Capote, Joseph Pulitzer, Bertie Forbes, Benjamim Franklin, Benito Mussolini, também foram, entre tantos e tantos outros, jornalistas sem diploma como é Hélio Fernandes, Sebastião Nery, Carlos Chagas, Mino Carta, Merval Pereira... A lista é longa e deixo de citar jornalistas da minha época em minha cidade para não cometer uma insuficiência de equidade com os que já morreram e com os que ainda estão em atividade.
A exigência do diploma de curso de jornalista para jornalistas exercerem a profissão, foi uma imposição da Ditadura Militar em 1969 com o evidente intuito de controlar os jornalistas, já que todos deveriam estar registrados no Ministério do Trabalho. Mas depois da ditadura o Congresso entendeu que deveria aprovar a chamada PEC do Diploma. Um projeto de lei de emenda constitucional. E ponto final. Sem diploma de jornalismo ninguém trabalha mais em nenhuma redação. Cláudio Abramo escreveu em "A Regra do Jogo": "Para ser jornalista, é preciso ter uma formação cultural sólida, científica ou humanística. Mas as escolas são precárias. Como dar um curso sobre algo que nem eu consigo definir direito? Trabalhei 40 anos em jornal e acho muito difícil definir o que meia dúzia de atrevidos em Brasília definem como curso de jornalismo. Foi o que fez o patife do Gama e Silva (ministro da Justiça de Costa e Silva), que elaborou a lei para tirar os comunistas dos jornais". Quando da aprovação no Congresso dessa lei de obrigatoriedade, o senador Aloysio Nunes, único a se manifestar contra a proposta levantou a tampa onde a verdade estava escondida: ”interessa (a lei) sobretudo aos donos de faculdades privadas ruins, arapucas que não ensinam nada e que vendem a ilusão de um futuro profissional. Não interessa o público envolvido nisso,pelo contrário, a profissão de jornalismo diz respeito diretamente à liberdade de expressão do pensamento, de modo que não pode estar sujeita a nenhum tipo de exigência legal e nem mesmo constitucional".
Defendo que liberdade de expressão não significa apenas jornalismo. Mas é dela que advém o jornalismo.  E que há jornalistas tão bons ou tão maus profissionais com ou sem diploma.
Que qualquer pessoa que queira e saiba escrever pode publicar suas convicções sejam elas as quais forem. Que um bom texto de um médico pode ser publicado, se o editor quiser, ou pode ser rejeitado. Penso que é desejável que jornalistas tenham um curso superior que lhes garanta pensar como jornalista, entender os problemas do contexto histórico em que está
inserido; as situações que regem a sociedade atual e poder compará-las com outras, de outras épocas e fazer a correlação entre elas; e outras questões que se aprende com a dedicação e o estudo formal em bancos escolares ou pela busca de conhecimentos por outros meios. E não se trata apenas disso; jornalistas precisam de outros saberes e devem ter consigo uma visão da sociedade para muito além dela. Se tiverem outras graduações, tanto melhor, mas não é essencial.

Além disso, um jornalista deve saber escrever.

Além disso, um jornalista deve saber escrever; conhecer sua língua, saber usá-la, pois ela é seu único meio de expressão, seja escrevendo ou falando. Entendo que reduzo meu pensamento a respeito desse assunto simplificando ao máximo uma definição para jornalismo: informar e opinar. Simples, não simplório. Falo de juízo de fato e juízo de valor. Quando um jornalista trata de um acontecimento, quando diz as coisas como elas são, quando e por que são, faz um juízo de fato. Quando avalia o acontecimento, faz um juízo de valor. É a isso que me refiro.
Não é o diploma nem o registro que possibilita isso. Haja vista o que se lê em jornais e revistas impressas e/ou nas edições eletrônicas. Sob constante pressão dos sindicatos e a má qualidade dos cursos universitários, essa exigência esdrúxula, entope as redações de incapazes providos de admiráveis e belas traquitanas telefônicas, algumas delas com piscina, garagem para três carros e quadra poliesportiva; e nas quais, também poderem ouvir e de serem ouvidos, é claro.
Repórter tem que ir para a rua e não esperar o “retorno da assessoria”, que em geral não vem.
E publicar “não recebemos retorno até o fechamento dessa matéria”. Deveriam acrescentar: dessa matéria burra, sem pé nem cabeça, incompreensível, devido a minha caímica preguiça.
Quem precisa de diploma de jornalista para escrever que "o Enem “inscreve” 4,5 milhões de estudantes", quando deveriam saber que o Enem não “inscreve”; são os alunos que “se inscrevem” no Enem. Ou que “os jornais estrangeiros repercutiram....”. Os jornais não repercutem nada. O acontecimento é que repercute nos jornais estrangeiros, nas conversas de esquina, nos bares e sei eu lá mais onde. Afora isso todos sofrem das síndromes do “tem”, do“suspeito”, do “teria” e de outros  verbos no condicional ( eu sei, eu sei: é a lei etc e tal), além de escreverem e falarem as “chuvas que caíram durante a noite...”, “as águas do rio...”, “as areias da praia...” hoje em dia sempre no plural, o que me faz pensar em diversas águas num mesmo rio, várias chuvas noturnas e a praia de Copacabana tomada de jovens encantados com Francisco em milhares de areias.
Mesmo com diploma eles não sabem a diferença entre “ser e estar”, “ter e haver”, “a onde e onde”, “em frente”, “defronte” e “na frente”...
“Colisão mata três pessoas e deixa uma ferida”. Deixar pode se referir ao substantivo espólio (herança, legado); aos verbos abandonar ou aceitar (permite,tolera,consente), afastar (apartar-se de) ,desaproveitar (desperdiça,despreza,perde) herdar (passar para) e sair, que é o mais usado. Portanto o verbo deixar não se aplica ao título da matéria, já que devido à colisão, além dos mortos uma pessoa ficou ferida. Além do mais fico em dúvidas e a pensar o que colidiu com o que para matar três pessoas e ferir uma.
Pior é nos canais de TV pagos quando os jornalistas fazem a cobertura de um uma tragédia, ao vivo, sem texto escrito pra ser lido. Assisti outro dia a reportagem de um incêndio que era narrado assim: “agora vemos um foco de fogo a direita do seu vídeo bem mais intenso. Isso é sinal de que o incêndio ainda não está totalmente dominado.” São nessas ocasiões que dou gargalhadas vendo tragédia na televisão. Deveria chorar, mas é impossível. 
Com diploma e registro, certos jornalistas escrevem mal e do mesmo jeito que falam com a turma no barzinho da esquina – como aquela repórter de TV ainda cheirando a sala de aula que disse: “conta aí pra gente...” acreditando estar com essa “promiscuidade jornalística”  fazendo uma reportagem. O entrevistado era “apenas” o Secretario de Infraestrutura e oassunto era “só” a brutal e eterna seca do Nordeste.
Quando um prédio em construção desabou recentemente, matando dezenas de pessoas e ferindo outras tantas, com a chegada dos cães farejadores da Polícia Militar a “narradora” de um canal de TV pago, sem texto, tendo que improvisar, disse que os cães “acham possíveis desaparecidos nos escombros porque cheiram peças de roupas das vítimas”. Na verdade os cães são treinados para cheirar sangue e urina, o que indica alguma vítima, explicou em seguida o comandante do Corpo de Bombeiros. Foi aí que tive um ataque de riso e para não morrer de tanta risada desliguei a televisão.

*Escritor e jornalista

-Amanhã (25) última parte.

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