sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Getúlio morreu e Porto Alegre se rebelou
Carlos Bastos

24 de agosto de 1954. Acordei com minha mãe dizendo que o Reporter Esso da Rádio Nacional, apresentado pelo locutor Heron Domingues, informara que o presidente Getúlio Vargas tinha se suicidado. Inventei uma história qualquer, algum compromisso no colégio, e me desloquei para a região central da cidade. O povo de Porto Alegre tinha se rebelado, revoltando-se com a morte trágica do presidente. Pagaram o pato órgãos vinculados aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, como o jornal do Diário de Notícias  na rua da Praia, e a Rádio Farroupilha, no alto do viaduto Otávio Rocha, na esquina da rua Duque de Caxias com a avenida Borges de Medeiros. O povo incendiou também o jornal O Estado do Rio Grande, do Partido Libertador, de Raul Pilla, que integrava a pesada oposição a Vargas, juntamente com a UDN de Carlos de Lacerda. A multidão promoveu um quebra-quebra no consulado dos Estados Unidos, na esquina da Marechal Floriano com a Rua da Praia.  
O portoalegrense se insurgiu contra o desfecho trágico daquela madrugada. E as rádios começaram a revelar o conteúdo da antológica Carta Testamento de Vargas. E a revolta popular recrudesceu e tudo que se referia aos Estados Unidos era atacado pela multidão rebelada. Isto aconteceu com as tradicionais Lojas Americanas, na Rua da Praia, a Importadora Americana, na Rua Doutor Flores, e a conhecidíssima American Boite, na tradicional Voluntários da Pátria. Eu dei muito azar neste dia. Em todos os locais eu chegava depois que a depredação já acontecera. Mas eu pude ver de perto um grupo de manifestantes rebelados próximo ao Mercado Público, onde hoje se localiza o Largo Glênio Perez. Nas suas feições deixavam patente sua revolta. Demonstravam que estavam possuídos de um sentimento de raiva, e até ódio, pela forma trágica como seu líder passou para a eternidade. Eles estavam inconformados e não aceitavam a sórdida campanha que levou Vargas ao suicídio. Ele que depois de assumir o Poder em 1930 transformou o Brasil que tinha uma economia rural e reformou este país numa potencia industrial. Em seu período ditatorial criou a Consolidação das Leis do Trabalho, implantou a siderurgia nacional com Volta Redonda. E aqueles homens e mulheres com seus cabelos arrepiados de revolta, e suas feições contristadas pela morte do grande estadista, davam expansão à sua rebeldia. Eles lembravam que Getúlio em seu governo democrático criara a Petrobrás e a Eletrobrás. E davam vazão aos seus instintos demolidores. Nada conseguia detê-los em sua sanha destrutiva.
Aquele 24 de agosto de 1954 ficou gravado na minha retina. Gravei toda a destruição promovida pela multidão enraivecida. Eu tinha naquela oportunidade 20 anos de idade, e marquei a fisionomia de um casal que deveriam ter uns trinta anos.  Os dois estavam revoltadíssimos.  E à frente da multidão o casal caminhava de um lado para outro, e o povo seguia atrás. Na sua agitação, na sua determinação, na sua rebeldia, eles estavam comandando a multidão. E eu fiquei pensando com meus botões o que seriam na vida aqueles dois jovens. O que os levara a tamanha indignação. Toda aquela reação era movida pela idolatria que tinham por Vargas. Durante muitos anos cruzei pelo casal de rebeldes na Rua da Praia ou em outros locais do centro de Porto Alegre. Eles tinham voltado para sua vida rotineira. Há muito tempo perdi-os de vista. Ou estão gozando de uma aposentadoria, e estão recolhidos em sua casa, ou já partiram, pois a vida não é eterna.   

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