Carlos Bastos
24 de agosto de 1954. Acordei com minha
mãe dizendo que o Reporter Esso da Rádio Nacional, apresentado pelo locutor
Heron Domingues, informara que o presidente Getúlio Vargas tinha se suicidado.
Inventei uma história qualquer, algum compromisso no colégio, e me desloquei
para a região central da cidade. O povo de Porto Alegre tinha se rebelado,
revoltando-se com a morte trágica do presidente. Pagaram o pato órgãos
vinculados aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, como o jornal do
Diário de Notícias na rua da Praia, e a Rádio Farroupilha, no alto do
viaduto Otávio Rocha, na esquina da rua Duque de Caxias com a avenida Borges de
Medeiros. O povo incendiou também o jornal O Estado do Rio Grande, do Partido
Libertador, de Raul Pilla, que integrava a pesada oposição a Vargas, juntamente
com a UDN de Carlos de Lacerda. A multidão promoveu um quebra-quebra no
consulado dos Estados Unidos, na esquina da Marechal Floriano com a Rua da
Praia.
O portoalegrense se insurgiu contra o
desfecho trágico daquela madrugada. E as rádios começaram a revelar o conteúdo
da antológica Carta Testamento de Vargas. E a revolta popular recrudesceu e
tudo que se referia aos Estados Unidos era atacado pela multidão rebelada. Isto
aconteceu com as tradicionais Lojas Americanas, na Rua da Praia, a Importadora
Americana, na Rua Doutor Flores, e a conhecidíssima American Boite, na
tradicional Voluntários da Pátria. Eu dei muito azar neste dia. Em todos os
locais eu chegava depois que a depredação já acontecera. Mas eu pude ver de
perto um grupo de manifestantes rebelados próximo ao Mercado Público, onde hoje
se localiza o Largo Glênio Perez. Nas suas feições deixavam patente sua
revolta. Demonstravam que estavam possuídos de um sentimento de raiva, e até
ódio, pela forma trágica como seu líder passou para a eternidade. Eles estavam
inconformados e não aceitavam a sórdida campanha que levou Vargas ao suicídio.
Ele que depois de assumir o Poder em 1930 transformou o Brasil que tinha uma
economia rural e reformou este país numa potencia industrial. Em seu período
ditatorial criou a Consolidação das Leis do Trabalho, implantou a siderurgia
nacional com Volta Redonda. E aqueles homens e mulheres com seus cabelos
arrepiados de revolta, e suas feições contristadas pela morte do grande
estadista, davam expansão à sua rebeldia. Eles lembravam que Getúlio em seu
governo democrático criara a Petrobrás e a Eletrobrás. E davam vazão aos seus
instintos demolidores. Nada conseguia detê-los em sua sanha destrutiva.
Aquele 24 de agosto de 1954 ficou
gravado na minha retina. Gravei toda a destruição promovida pela multidão
enraivecida. Eu tinha naquela oportunidade 20 anos de idade, e marquei a
fisionomia de um casal que deveriam ter uns trinta anos. Os dois estavam revoltadíssimos. E à frente da multidão o casal caminhava de um
lado para outro, e o povo seguia atrás. Na sua agitação, na sua determinação,
na sua rebeldia, eles estavam comandando a multidão. E eu fiquei pensando com
meus botões o que seriam na vida aqueles dois jovens. O que os levara a tamanha
indignação. Toda aquela reação era movida pela idolatria que tinham por Vargas.
Durante muitos anos cruzei pelo casal de rebeldes na Rua da Praia ou em outros
locais do centro de Porto Alegre. Eles tinham voltado para sua vida rotineira.
Há muito tempo perdi-os de vista. Ou estão gozando de uma aposentadoria, e
estão recolhidos em sua casa, ou já partiram, pois a vida não é
eterna.
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