sexta-feira, 24 de janeiro de 2020






Estados quebrados: como o STF estimula 
irresponsabilidade fiscal dos governadores


A situação financeira de vários estados brasileiros é crítica – alguns nem sequer têm dinheiro para pagar em dia o salário dos servidores. E o Supremo Tribunal Federal (STF) é responsável, ao menos em parte, por estimular a irresponsabilidade fiscal dos governadores. Os ministros do Supremo costumam emitir decisões que desobrigam os governadores de pagarem as dívidas de seus estados com a União, muitas delas contraídas por gestões anteriores justamente para sanear as contas públicas. Isso cria um ambiente de desestímulo à responsabilidade fiscal ao isentar os estados de qualquer tipo de punição por não fazer o dever de casa.

Um estudo mostra que estados ou municípios que recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a União ganharam a causa em 87% dos processos relacionados a questões fiscais. O levantamento, que abrange o período entre 1988 e 2017, foi feito pela advogada da União Andrea de Quadros Dantas Echeverria e pelo professor de Direito Gustavo Ribeiro. Eles analisaram cerca de 2,5 mil Ações Cíveis Originárias (ACOs) para identificar quais tiveram conflito federativo reconhecido e julgado pelo Supremo nesse período.

Parte dessas ações – 472 – envolvia restrições aos estados por não pagarem suas dívidas com a União. Ou seja, os estados teriam de sofrer alguma punição, tal como deixar de receber repasses do governo federal, principalmente por descumprirem da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas não foi o que aconteceu na imensa maioria dos casos.

“O STF analisou o pedido cautelar em 433 delas, deferindo a liminar [em favor dos estados] em 401. Interessante destacar que a liminar somente foi expressamente indeferida em 32 dos processos analisados", afirma Andrea de Quadros Dantas Echeverria . Nas demais ações, o pedido de liminar não foi analisado ou não foi possível localizar a decisão do STF.

Nas ações protocoladas no Supremo em que pedem para não ter de pagar as dívidas com a União, alguns governadores culpam gestões anteriores pelas dívidas herdadas e argumentam que não podem ser punidos por atos anteriores à sua administração. E que, em última análise, se forem punidos terão de paralisar serviços públicos, punindo a própria população.

“O que o STF parece não vislumbrar é que tal jurisprudência cria tanto um ciclo vicioso de irresponsabilidade fiscal como um paradoxo de proteção às políticas públicas", diz a advogada Andrea de Quadros Dantas Echeverria. "Isso porque, ao permitir o repasse dos recursos e impedir a incidência das sanções da LRF, o STF colabora para o aprofundamento da crise fiscal – o que, em última análise, representa o maior risco à execução das políticas públicas do que a retenção dos recursos pela União."

Em resumo: sem serem punidos, os governadores empurram para gestões posteriores a tarefa de sanear as contas. E, sem sanear as contas, faltam recursos para atender às demandas da população.

A autora do estudo ressalta que a crise fiscal dos estados não é causada unicamente pelas decisões do STF. Segundo ela, os problemas financeiros dos estados são um fenômeno extremamente complexo que sofre influência de inúmeras outras variáveis não consideradas no estudo. Porém, ela afirma que qualquer medida para melhorar as contas públicas não terá sucesso caso o STF “mantenha seu posicionamento de deferir decisões favoráveis aos estados, sem considerar os reflexos estruturais da sua jurisprudência”.

O governo planeja outra forma de auxiliar os estados com Plano Mansueto
Pelo menos desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a União tenta promover a recuperação das finanças dos estados. Durante o governo de Michel Temer (2016-2019), foi lançado o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para socorrer estados com grave desequilíbrio em suas contas. O programa suspende a dívida dos estados. Até agora, apenas o Rio de Janeiro conseguiu aderir, mas Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás também querem fazer parte do RRF.

Já o governo do presidente Jair Bolsonaro elaborou o Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), chamado de Plano Mansueto – numa referência ao idealizador do programa, o secretário especial do Tesouro, Mansueto Almeida. O plano, que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso para valer, pretende permitir que estados em crise financeira peçam empréstimos com garantias da União desde que adotem medidas de ajuste fiscal.

O programa será destinado aos estados considerados sem capacidade de pagamento e que apresentam notas baixas (C e D) na avaliação anual do Tesouro. Hoje, esses estados não podem pegar empréstimos usando a União como avalista, pois somente estados com notas A e B têm essa vantagem.

São 14 estados com nota C: Amapá, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. O Plano Mansueto também prevê que a União não deve socorrer os estados e municípios a partir de 2026.

Fonte: Gazeta do Povo


Senadores torram dinheiro em autopromoção, 
viagens, restaurantes, correios. E você paga

Por Lúcio Vaz

Quem analisa a página de transparência do Senado Federal pode imaginar que os senadores têm poucos gastos com divulgação do mandato. Foram R$ 2 milhões em 2019 – o equivalente à metade da despesa com escritórios (R$ 3,8 milhões) e muito menos do que gastam com passagens aéreas (R$ 7 milhões). Na verdade, a maior parte das despesas com divulgação (R$ 4,1 milhões) está camuflada no item “Serviços de apoio ao parlamentar”. No total, são R$ 6,2 milhões torrados em autopromoção.

A gastança com a cota para o exercício da atividade parlamentar – o “cotão” –  somou R$ 23,3 milhões no ano passado. Fora da cota, os senadores ainda gastaram mais R$ 1,9 milhão com viagens internacionais, a mesma quantia com correios e R$ 400 mil com material de consumo. Ao todo foram R$ 27,5 milhões – tudo bancado pelo contribuinte. Três senadores provaram que é possível exercer o mandato sem as verbas do “cotão”. Passaram o ano inteiro sem gastar um único centavo com essas mordomias.

Não estão computados no levantamento as despesas com salários de assessores dos gabinetes – algo que tem uma “transparência” turva no Senado. Para apurar esses valores, é preciso abrir individualmente os dados de 2.867 assessores, depois de passar pelo “captcha” – aquelas letrinhas tortas que diferenciam um ser humano de um computador. Levantamento feito pelo blog no final de 2017 mostrou que os assessores, incluindo gabinetes, lideranças partidárias, comissões e cargos da Mesa Diretora custam meio bilhão de reais por ano.

Em 2019, o maior cabide de empregos foi promovido por Izalci Lucas (PSDB-DF). Em maio, ele já tinha 78 assessores, ao custo mensal de R$ 527 mil. Entrevistado pelo blog, admitiu que não estava satisfeito: “Se tiver oportunidade, vou ter 100”. Está a caminho de cumprir a meta. Encerrou o ano com 86 assessores, com despesa mensal de R$ 648 mil. Se apenas mantiver essa média, gastará R$ 8,5 milhões em um ano. Cinco dos seus assessores são servidores de carreira, com salário médio de R$ 34,6 mil.

Campeões de gastos com dinheiro do contribuinte
O campeão de gastos é o líder do PT, Humberto Rocha (PE), que desembolsou R$ 656 mil em um ano. Sua maior despesa é com “locomoção” – torrou R$ 151 mil. São deslocamentos pelas bases eleitorais, o que exige aluguel de carros, combustível, hospedagem, e alimentação para ele e seus assessores. A segunda maior despesa é curiosa: R$ 135 mil com serviços postais.

O gabinete explicou o motivo: o senador mandou imprimir um Vade Mecum, que reúne 11 das mais importantes leis do país, entre elas a Constituição, o Código Civil e o Código Penal. O compêndio possui um total de 839 páginas, em razão de que é muito pesado. Assim, o envio pelos correios custa mais caro.

A maior despesa com divulgação foi feita pelo líder do MDB, Eduardo Braga (AM). Foram R$ 374 mil – R$ 73% da sua cota – declarados na categoria “Serviços de apoio ao parlamentar”. As empresas contratadas, a um custo mensal de R$ 32,5 mil, prestaram consultoria para produção de conteúdo multimídia (áudio, foto, vídeo, animação) e monitoramento de mídias online (sites, blogs, redes sociais), além de assessoria e serviços de apoio ao mandato. Ele ficou em terceiro lugar no ranking do total de gastos, com R$ 582 mil.

Omar Aziz (PSD-AM) gastou R$ 325 mil com a empresa de Jefferson Coronel para divulgar o seu mandato. A empresa faz consultoria em comunicação e marketing, com monitoramento, pesquisa de conteúdo, redação postagens e design para o meio digital, redes sociais, assessoria de imprensa, estrutura de produção, redação e edição de vídeos.

Aviões, escritórios e restaurantes sofisticados que você paga
Ciro Nogueira (PP-PI), conhecido por gastos excessivos com viagens internacionais, aluguel de jatinhos e restaurantes de luxo, gastou R$ 277 mil em “locomoção”. Em 2019, ele alugou apenas um avião, em agosto, por R$ 14 mil, para acompanhar uma visita do presidente Jair Bolsonaro a Parnaíba (PI), onde inaugurou uma escola com padrão militar. Ainda assim, Nogueira gastou R$ 101 mil com combustível para aviação.

O senador abandonou as viagens internacionais, mas continua fazendo refeições caras. Em março, gastou R$ 1.013 no restaurante Kawa, em Brasília. A refeição custou 15 reais a mais do que o salário mínimo. Em junho, bancou cinco rodízios na SB Churrascaria, ao custo de R$ 646. Em agosto, custeou um banquete no Favorito Grill, em Teresina, no valor de R$ 402. Os convidados comeram um bife de tira, uma picanha na brasa, filé e dois galetos. Em setembro, pagou a conta de um almoço para 16 pessoas em Parnaíba. Tudo por conta do contribuinte.

O deputado Roberto Rocha (PSDB-MA) gastou R$ 182 mil – 45% da sua cota – com os escritórios de apoio em São Luís e Imperatriz. Além do aluguel na capital, o Senado pagou despesas com segurança e vigilância nas duas cidades e contas de água, luz e internet. As contas de luz ficaram em média R$ 2 mil por mês.

O ex-craque Romário (Podemos-RJ) investiu dois terços da sua cota, ou R$ 252 mil, em passagens aéreas. Segundo afirmou o seu gabinete, muitos dos voos são necessários porque assessores que trabalham com emendas parlamentares moram no Rio de Janeiro. Eles recebem e visitam prefeitos do estado, mas também precisam se deslocar a Brasília para reuniões em ministérios, onde liberam verbas federais para os aliados do senador. Em Brasília, os ministérios ficam a um quilômetro de distância.

Gastos em viagens pelo mundo
O “novo” Senado mais que dobrou os gastos com viagens internacionais em 2019. A despesa ficou em R$ 1,9 milhão. Os maiores gastos foram feitos pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), que gastou R$ 157 mil – R$ 61 mil com diárias e R$ 96,5 mil com passagens. A viagem mais cara foi para a China, sendo R$ 38 mil apenas com a passagem em classe executiva. Ele integrou uma missão oficial do Governo da Bahia.

Antônio Anastasia (PSDB-MG) gastou R$ 147 mil com viagens internacionais, sendo R$ 94 mil com passagens. Em abril, esteve em Doha, no Catar, para participar de Assembleia da União Interparlamentar e de sessão do Grupo de Parlamentares da América Latina e do Caribe. Em outubro, participou de nova reunião do Grupo de Parlamentares da América Latina, dessa vez em Belgrado, na Sérvia. Seria mais econômico realizar essas reuniões na América.

Os econômicos, mas nem tanto
O senador Reguffe (Podemos-DF) inaugurou no Congresso a prática de não utilizar a cota para o exercício do mandato. Ele já fazia isso quando era deputado federal, e continuou fazendo no Senado. Mais do que isso, ele abriu mão do plano de saúde, da aposentadoria especial de parlamentar, do carro oficial, de viagens internacionais, de diárias, e gastos com correios. A única despesa que fez em 2019 foi com material de consumo, como água, papel, caneta, lápis, material de limpeza – num total de R$ 500. Em um ano, comprou apenas 1 quilo de café e 1 quilo de açúcar.

Leila Barros (PSB-DF), a Leila do Vôlei, também não usou o “cotão”, mas gastou R$ 3,5 mil com serviços postais e R$ 4,1 mil com material de consumo. Ela também conta com carro oficial e usa combustível do Senado. Jorge Kajuru (Cidadania-GO) é outro que “zerou” a cota para o exercício do mandato e abriu mão do carro oficial, mas gastou R$ 2 mil com material de consumo.

Eduardo Girão (Podemos-CE) ingressou no grupo dos senadores econômicos nos primeiros meses de 2019, mas acabou gastando R$ 6 mil com divulgação e R$ 14,5 mil com passagens aéreas. Fora da cota, utilizou R$ 5 mil em material de consumo e R$ 13,8 mil com correios. As duas despesas totalizaram R$ 39,4 mil.

Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) também fez gastos moderados, um total de R$ 83 mil. As maiores despesas foram com aluguel de escritório e taxa de condomínio (R$ 51 mil), e passagens aéreas (R$ 23,3 mil).

Vanderlan Cardoso (PP-GO) também prometeu usar minimamente o “cotão”, mas não resistiu aos encantos das mordomias do Senado. A conta fechou em R$ 123 mil, sendo R$ 49 mil em passagens, R$ 49 mil em escritórios, R$ 32 mil em locomoção e R$ 31 mil em divulgação.

Fonte: Gazeta do Povo - 24.01.2020