Estados quebrados: como o
STF estimula a
irresponsabilidade fiscal dos governadores
A situação financeira de
vários estados brasileiros é crítica – alguns nem sequer têm dinheiro para
pagar em dia o salário dos servidores. E o Supremo Tribunal Federal (STF) é
responsável, ao menos em parte, por estimular a irresponsabilidade fiscal dos
governadores. Os ministros do Supremo costumam emitir decisões que desobrigam
os governadores de pagarem as dívidas de seus estados com a União, muitas delas
contraídas por gestões anteriores justamente para sanear as contas públicas.
Isso cria um ambiente de desestímulo à responsabilidade fiscal ao isentar os
estados de qualquer tipo de punição por não fazer o dever de casa.
Um estudo mostra que
estados ou municípios que recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a
União ganharam a causa em 87% dos processos relacionados a questões fiscais. O
levantamento, que abrange o período entre 1988 e 2017, foi feito pela advogada
da União Andrea de Quadros Dantas Echeverria e pelo professor de Direito
Gustavo Ribeiro. Eles analisaram cerca de 2,5 mil Ações Cíveis Originárias
(ACOs) para identificar quais tiveram conflito federativo reconhecido e julgado
pelo Supremo nesse período.
Parte dessas ações – 472 –
envolvia restrições aos estados por não pagarem suas dívidas com a União. Ou
seja, os estados teriam de sofrer alguma punição, tal como deixar de receber
repasses do governo federal, principalmente por descumprirem da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Mas não foi o que aconteceu na imensa maioria
dos casos.
“O STF analisou o pedido
cautelar em 433 delas, deferindo a liminar [em favor dos estados] em 401.
Interessante destacar que a liminar somente foi expressamente indeferida em 32
dos processos analisados", afirma Andrea de Quadros Dantas Echeverria .
Nas demais ações, o pedido de liminar não foi analisado ou não foi possível
localizar a decisão do STF.
Nas ações protocoladas no
Supremo em que pedem para não ter de pagar as dívidas com a União, alguns
governadores culpam gestões anteriores pelas dívidas herdadas e argumentam que
não podem ser punidos por atos anteriores à sua administração. E que, em última
análise, se forem punidos terão de paralisar serviços públicos, punindo a
própria população.
“O que o STF parece não
vislumbrar é que tal jurisprudência cria tanto um ciclo vicioso de
irresponsabilidade fiscal como um paradoxo de proteção às políticas
públicas", diz a advogada Andrea de Quadros Dantas Echeverria. "Isso
porque, ao permitir o repasse dos recursos e impedir a incidência das sanções
da LRF, o STF colabora para o aprofundamento da crise fiscal – o que, em última
análise, representa o maior risco à execução das políticas públicas do que a retenção
dos recursos pela União."
Em resumo: sem serem
punidos, os governadores empurram para gestões posteriores a tarefa de sanear
as contas. E, sem sanear as contas, faltam recursos para atender às demandas da
população.
A autora do estudo
ressalta que a crise fiscal dos estados não é causada unicamente pelas decisões
do STF. Segundo ela, os problemas financeiros dos estados são um fenômeno
extremamente complexo que sofre influência de inúmeras outras variáveis não
consideradas no estudo. Porém, ela afirma que qualquer medida para melhorar as
contas públicas não terá sucesso caso o STF “mantenha seu posicionamento de
deferir decisões favoráveis aos estados, sem considerar os reflexos estruturais
da sua jurisprudência”.
O governo planeja outra
forma de auxiliar os estados com Plano Mansueto
Pelo menos desde o governo
de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a União tenta promover a recuperação
das finanças dos estados. Durante o governo de Michel Temer (2016-2019), foi
lançado o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para socorrer estados com grave
desequilíbrio em suas contas. O programa suspende a dívida dos estados. Até agora,
apenas o Rio de Janeiro conseguiu aderir, mas Minas Gerais, Rio Grande do Sul e
Goiás também querem fazer parte do RRF.
Já o governo do presidente
Jair Bolsonaro elaborou o Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), chamado de Plano
Mansueto – numa referência ao idealizador do programa, o secretário especial do
Tesouro, Mansueto Almeida. O plano, que ainda precisa ser aprovado pelo
Congresso para valer, pretende permitir que estados em crise financeira peçam
empréstimos com garantias da União desde que adotem medidas de ajuste fiscal.
O programa será destinado
aos estados considerados sem capacidade de pagamento e que apresentam notas
baixas (C e D) na avaliação anual do Tesouro. Hoje, esses estados não podem
pegar empréstimos usando a União como avalista, pois somente estados com notas
A e B têm essa vantagem.
São 14 estados com nota C:
Amapá, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina,
Sergipe e Tocantins. O Plano Mansueto também prevê que a União não deve
socorrer os estados e municípios a partir de 2026.
Fonte: Gazeta do Povo