Equilibrando a balança do
STF
O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Celso de Mello completará 75 anos de idade em 1.º de
novembro e, com isso, terá de deixar a cadeira que ocupa desde 1989. O processo
de substituição do decano abrirá uma boa oportunidade para que o presidente Jair
Bolsonaro e o Senado Federal atuem de forma a aumentar a pluralidade de
ideias na corte.
Na formação atual, os
componentes do Supremo Tribunal Federal apresentam diversidade de opiniões
quanto a muitos temas, como o papel do Judiciário no combate à corrupção, o
garantismo penal e os limites da intervenção do Estado na economia. A decisão
contra o cumprimento da pena antes de condenação transitada em julgado, por
exemplo, teve um placar de 6 votos a 5. Em temas morais, entretanto, os
ministros têm decidido repetidamente contra posições mais ortodoxas. A
divergência, quando há, se resume a aspectos técnicos, e não ao mérito da
questão.
No caso mais recente, há
pouco mais de um ano, o Supremo concluiu que a “homofobia” e a “transfobia” se
equiparam ao racismo e, por isso, são contempladas pela lei que trata da
discriminação racial, embora nem a lei nem o texto da Constituição mencionem
uma vez sequer expressões como “gênero” ou “orientação sexual”. Nos últimos
anos, decisões desse tipo têm sido comuns. O STF agiu de forma semelhante, por
exemplo, quando equiparou a união civil entre pessoas do mesmo sexo ao
casamento e institucionalizou o aborto de anencéfalos, embora, também nestes
casos, tenha ultrapassado o que afirmam as normas legais.
Com a aposentadoria de
Celso de Mello, caberá ao presidente Jair Bolsonaro indicar um nome que, na
linha de figuras como Carlos Alberto Menezes Direito (indicado, curiosamente,
por Luiz Inácio Lula da Silva), compartilhem de correntes filosóficas mais
conservadoras, antagônicas àquelas defendidas pela maioria da corte.
A Constituição é sucinta
quando trata das exigências para o cargo de ministro do STF: é preciso, além de
ter no mínimo 35 anos de idade, possuir “notório saber jurídico” e “reputação
ilibada”. Não seria aceitável que o presidente Bolsonaro indicasse para o STF
alguém com pouca experiência jurídica ou que tenha um histórico desabonador.
Mas, cumpridos os requisitos constitucionais, a eventual escolha por um
ministro com posições mais conservadoras em temas como aborto e sexualidade não
deve ser recebida como uma tentativa de politizar a corte, mas sim como um
passo bem-vindo rumo a uma composição do STF que represente de forma mais
adequada, embora ainda fora de proporção, as diferentes concepções de mundo presentes
na sociedade brasileira.
Mesmo os ministros mais
progressistas do tribunal deveriam se alegrar com a possibilidade de uma
indicação assim. Como bem argumentou o pensador inglês John Stuart Mill em seu
livro clássico Sobre a Liberdade, é justamente o contraste com opiniões
divergentes que torna mais fácil afirmar a veracidade ou falsidade de uma
proposição. “O hábito constante de corrigir e completar a própria opinião
cotejando-a com a de outros, longe de gerar dúvidas e hesitações ao pô-la em
prática, constitui o único fundamento estável para que nela se tenha justa
confiança”, escreveu ele.
A eleição do presidente
Jair Bolsonaro representou, bem mais do que a aprovação a uma pessoa em
particular cujas limitações são evidentes, a vitória de ideias legítimas que
vinham sendo mantidas à margem do poder nos anos anteriores. Os argumentos em
favor da inviolabilidade da vida humana desde a concepção e, por outro lado,
contra a ideologia de gênero, por exemplo, se filiam a uma tradição filosófica
milenar que não pode ser excluída do debate político e jurídico - especialmente
num momento em que o Supremo Tribunal Federal ocupa um papel cada vez mais
central na tomada de decisões de Estado.
Gazeta do Povo – 08.07.2020
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