A casa não é segura
Por Guilherme Fiuza
O mundo parece estar confundindo a pandemia de
coronavírus com uma nuvem radioativa planetária. Populações inteiras estão
trancadas em casa para tentar escapar do mal invisível. Uma guerra nuclear
talvez não tirasse tanta gente da rua. Quem põe em dúvida esse bloqueio sem
precedentes é tratado como herege ou potencial assassino. Ninguém tem certeza
sobre o que é 100% certo fazer. A única certeza absoluta é de que à velocidade
impressionante do contágio tem correspondido um encolhimento preocupante da
liberdade – inclusive de pensar.
Você encontrará infectologistas defendendo que todos
fiquem em casa e, no outro extremo, infectologistas afirmando que é um erro
todos ficarem em casa. Só saberemos quem está certo ao final da epidemia – ou
talvez nunca saibamos exatamente. E agora?
Parece ser consenso a necessidade de reduzir os picos de
contaminação para que os hospitais possam atender ao máximo possível de
atingidos. Mas para o segundo grupo, o “lockdown” total tende a adiar o
contágio e impedir a imunização natural da população – que aconteceria pela
transmissão do vírus entre os que não são vulneráveis (a imensa maioria) e não
correrão riscos. Para essa corrente, portanto, a circulação de parte da
população não é aceitável – é fundamental. Desde que isso se faça com todas as
medidas rigorosas de higiene, distanciamento, proibição de aglomerações e
isolamento total dos grupos de risco.
Não é fácil. Nada é, nem será fácil nessa situação. Para
começar, há diferenças grandes no comportamento da epidemia de região para
região – e talvez por isso a quase totalidade das autoridades tenha aderido à
diretriz única do “fique em casa”. É uma opção conservadora, diante de um
perigo pouco conhecido e da dificuldade de se organizar sociedades inteiras de
forma especial, de uma hora para outra, sem tempo para adaptações. O problema é
o legado de devastação social que vai sobrevir a um lockdown prolongado.
Existe, portanto um dilema atroz – que não é entre
economia e saúde, nem entre dinheiro e vida. É um dilema sobre qual forma de
enfrentamento da epidemia salvará mais vidas. As estimativas de desemprego,
miséria, doenças e mortes para a hipótese de uma depressão mundial são
aterradoras. Mas neste momento nenhum governante quer arriscar uma ação que
potencialize a epidemia. O que fazer?
Em primeiro lugar, é preciso reconquistar a liberdade de
pensamento. Bons formuladores estão acuados pelas posições dogmáticas
predominantes, pela patrulha intelectual e pelo desespero da coletividade. Sem
um mínimo de desintoxicação do debate será mais difícil encontrar as melhores
soluções – que serão com toda certeza complexas. É impossível surgir um plano
engenhoso numa floresta de tabus, em que ninguém se atreve a cotejar uma ideia
publicamente com ninguém para não cair em execração sumária.
No momento, os que têm a ganhar com o sobressalto geral e
a atmosfera de crise estão vencendo o jogo. Aliás, o coronavírus não é gripe suína,
mas está revelando uma epidemia de espíritos de porco. Isso não tem cura. Quem
pode furar o balão da politicagem mórbida é a população consciente, informada e
mobilizada. E não se chega aí num ambiente de desespero e irracionalidade.
Por isso é urgente a depuração das estatísticas. Você
precisa saber quantas pessoas morrem de fato de coronavírus – e não de outros
males mais graves, em quadros onde o coronavírus não foi o fator letal. Como
ele se espalha muito facilmente e se manifesta muito em idosos, provavelmente
certa quantidade de pacientes já clinicamente condenados morre portando o novo
vírus – sem necessariamente terem sido mortos por ele. Mas as estatísticas que
chegam ao público frequentemente deixam de fazer essa separação – não
importando se por negligência ou por má fé. O público precisa exigir
transparência estatística para conhecer o perigo real.
Quanto mais consciência, menos pânico, e quanto menos
pânico, mais coragem por parte dos agentes privados para discutir
possibilidades de retomada controlada das suas atividades. Hoje estão todos
acanhados à espera de diretrizes dos governantes, que por sua vez estão, em sua
maioria, acuados pelo pavor da população.
Escolhas difíceis terão de ser feitas. Elas demandarão
clareza e coragem. A diretriz de manter todos em casa indefinidamente não é
segura – e vai cobrar um preço alto em vidas e destruição social.
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