O frete dos caminhoneiros
e a omissão do STF
Foto: Christian
Rizzi/Arquivo Gazeta do Povo"
Nesta quarta-feira, dia
19, o Supremo Tribunal Federal poderia colocar um fim definitivo a um ataque
flagrante ao livre mercado, cometido com o consentimento de dois governos, mas
preferiu – novamente – a omissão. A constitucionalidade do tabelamento do frete
dos caminhoneiros estava na pauta da corte, mas o julgamento foi adiado pelo
relator, ministro Luiz Fux, acolhendo pedido da Advocacia-Geral da União (AGU)
para que fosse realizada uma “audiência de conciliação” entre os interessados,
e que ficou marcada para 10 de março.
A essa altura, quase dois
anos depois do início do tabelamento, é de se perguntar o que mais há para
conversar. Tentativas anteriores naufragaram, e as entidades do setor produtivo
que buscaram o Supremo em 2018, como a Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil (CNA) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), demonstraram seu
descontentamento com a decisão de Fux. Até mesmo os caminhoneiros, os
principais beneficiados pelo adiamento sem fim do julgamento, estão perdendo a
paciência e desejam que o Supremo resolva a questão de uma vez por todas. Uma
das entidades que representam os caminhoneiros, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Transportes e Logística, iniciou protestos na segunda-feira e
seu presidente, Carlos Alberto Dahmer, classificou a audiência de conciliação
como “uma formalidade para ganhar tempo”.
A distorção introduzida
pelo tabelamento,
além de flagrantemente inconstitucional,
custa caro ao país
todo
Os caminhoneiros, no
entanto, só dizem querer encerrar de vez a controvérsia no Supremo porque estão
certos da vitória. “Temos plena convicção de que não tem inconstitucionalidade
na nossa lei (...) Há dois anos que isso vem sendo protelado. Ganhamos tudo
através da lei”, afirmou Dahmer. Uma lei, no entanto, que afronta diretamente a
Constituição, ao derrubar o princípio do respeito ao livre mercado ao intervir
nos preços do transporte rodoviário. Trata-se da Lei 13.703/18, que deu à
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) o poder de estabelecer preços
mínimos para o frete, apesar de a legislação que criou a agência afirmar
explicitamente que o serviço é oferecido “em liberdade de preços dos serviços,
tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição”, com preços
“livres, reprimindo-se toda prática prejudicial à competição”.
A Lei 13.703 foi o
resultado da aprovação, pelo Congresso, da Medida Provisória 832, uma das
formas que Michel Temer encontrou para encerrar a greve dos caminhoneiros de
2018. O Executivo cedeu à chantagem, o Legislativo chancelou a capitulação e,
desde que o setor produtivo passou a questionar o tabelamento, o Judiciário vem
dando sua triste colaboração, especialmente graças à atuação de Luiz Fux. O
ministro mandou suspender todas as ações que tramitavam em instâncias superiores,
não concedeu nenhuma liminar a respeito ainda que estivessem presentes os
requisitos para suspender provisoriamente o tabelamento, e promove um vaivém
indecente com assunto tão importante para o país.
Afinal, não se trata
apenas de algo que afeta apenas os caminhoneiros e aqueles que os contratam. A
distorção introduzida pelo tabelamento, além de flagrantemente
inconstitucional, custa caro ao país todo. A CNI tem se dedicado a medir o
impacto da medida sobre a economia, e o estudo mais recente, referente a 2018,
mostrou prejuízos no mercado de trabalho (203 mil postos deixaram de ser
criados), na inflação (que teria sido 0,34 ponto porcentual menor) e no PIB
(com perdas de R$ 7,2 bilhões). A avaliação desconta os prejuízos causados pela
greve propriamente dita, concentrando-se nos efeitos do tabelamento.
Não faltam motivos para o
STF derrubar o tabelamento, mas os caminhoneiros já avisaram que querem para
logo o julgamento, desde que o resultado lhes seja favorável. “Se depois, em
março, tirarem o nosso direito, sem dúvidas teremos de tomar medidas mais
drásticas para mostrar a importância do setor”, afirmou Wallace Landim, o
Chorão, outro dos líderes da categoria. Tanta arrogância tem explicação: afinal,
os caminhoneiros já conseguiram dobrar dois poderes da República, e o terceiro,
tão célere quando se trata de declarar omissões inexistentes do Planalto ou do
Congresso, hesita em fazer cumprir a lei. Falta a decisão de mostrar que, no
Brasil, vale a Constituição, e não a pressão de grupos corporativistas e adversários
da liberdade econômica.
Gazeta do Povo
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