O telegrama de Lênin e a
historiadora que ignora a história
Por Paulo Polzonoff Jr.
A deputada federal Talíria
Petrone, que também se diz historiadora, publicou no Twitter uma homenagem a
Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin, o líder da Revolução
Bolchevique, que deu origem a um dos regimes mais assassinos do século XX — e olha
que a concorrência é grande, já que foi um século profícuo em regimes
assassinos.
“Há 96 anos perdíamos
Lênin, o principal líder da revolução russa de outubro de 1917. O cara que
ousou substituir o poder do Czar, o Rei, pelo de Conselhos de Operários,
Soldados e Camponeses - os Soviets. A revolução foi traída, mas Lênin, pelo
exemplo e pelos escritos, é eterno”, escreveu ela. Quando questionada sobre o
caráter totalitário e assassino do homem que liderou o Terror Vermelho, Petrone
dobrou a aposta: “Compararam, absurdamente, Lênin a Hitler, lembro: liberais,
sociais-democratas e conservadores estavam do lado da guerra mundial, com 10
milhões de mortos, enquanto Lênin defendia: paz, pão, terra. Após a vitória da
REVOLUÇÃO assinou Tratado de Paz para o povo. Hitler era guerra!”.
Petrone faz parte do
minúsculo e estridente Psol, o partido das contradições, aquele que defende
socialismo e liberdade, que defende a democracia e presta rapapés a ditadores,
que é pela liberdade de expressão, desde que ela não atinja os que considera
oprimidos, e que é contra o capitalismo, mas vende camisetas politicamente
conscientes na Internet. E, antes que o PSol venha dizer que a homenagem a
Lênin foi uma iniciativa individual e isolada de Petrone, vale dizer que o
perfil oficial do partido no Twitter também celebrou os 96 anos do monstro
bolchevique com um vergonhoso, mas revelador, “viva os comunistas!”.
Falência do ensino
Tudo no episódio é
revoltante e assustador, mas também digno de pena. Porque as manifestações da
deputada e do partido do qual ela faz parte revelam como os professores de
história das últimas décadas fracassaram em seu intento de transmitir o
conhecimento com base em fatos, por um lado, e foram bem-sucedidos em seu
intento de criar uma massa de manobra que viesse até a ocupar cargos no
Legislativo, por outro.
É preciso usar a
imaginação para refletir a respeito de como Talíria Petrone, que se formou em
história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, isto é, com dinheiro
público, foi capaz de chegar aos 34 anos de idade defendendo
desavergonhadamente um facínora como Lênin.
Que ela tenha ignorado a
queda do Muro de Berlim e o colapso do regime soviético é compreensível.
Afinal, Petrone era uma menina de cinco anos quando manifestantes jovens, sedentos
de capitalismo e liberdade, foram às ruas e, a marretadas, demoliram a
fortaleza que mantinha os alemães orientais confinados ao “paraíso”. Dois anos
mais tarde, Petrone ainda brincava com a opressora Barbie quando a União
Soviética revelava a podridão, miséria e tristeza de 74 anos de comunismo.
Ao longo da década de
1990, contudo, à medida que avançava pelos anos escolares, Petrone foi,
conscientemente ou não, sucessivamente traída por professores de história
incapazes de falar honestamente sobre Lênin, o Terror Vermelho, o assassinato
do Czar e de toda a sua família, inclusive crianças, a ascensão de Stálin, os
gulags, o pacto Ribbentrop-Molotov, a falsa prosperidade, o medo, enfim, sobre
todas as coisas que caracterizam a grande experiência comunista da União
Soviética.
O ensino de história
básica foi tão falho que a jovem Petrone, ignorando todas as provas documentais
de que Lênin foi um dos seres mais abjetos a caminhar por este planeta,
comparável, sim, a Hitler, prestou vestibular para o concorrido curso de...
história na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá, novamente falharam com
a estudante que obteve o seu diploma com a tese “Perspectivas educacionais no
pensamento dos intelectuais eugenistas”, sob orientação de Sônia Câmara.
O telegrama
Vale perguntar como uma
pessoa obtém um diploma e estufa o peito para se dizer historiadora, afinal de
contas é isso o que diz o carimbo do MEC, sem jamais ter se deparado, por
exemplo, com o famoso telegrama que Lênin enviou aos seus camaradas em Penza, ordenando
o enforcamento público de pelo menos 100 kulaks (camponeses bem-sucedidos), a
publicação extensiva de seus nomes e o confisco da colheita. “Use os mais
valentes para isso”, conclui Lênin.
O telegrama assusta por
ter sido escrito naquele tom burocrático que tão bem caracteriza essa gente que
se acha capaz de melhorar a sociedade, melhoramento esse que necessariamente
passa pelo assassinato dos “inimigos”. Suas poucas linhas revelam a brutalidade
racional de Lênin e de seu ideário — por sinal o mesmo do PSol. Sob o comando
dele, estima-se que 28 mil pessoas tenham sido executadas por ano entre 1917 e
1922.
Outro episódio marcante
que passou despercebido pela historiadora Petrone, bem como por seus
orientadores durante os 4 anos do curso de bacharelado e licenciatura em
história pela UFRJ, foi massacre de Kronstadt. Em 1921, camponeses, operários e
soldados, isto é, os “oprimidos” que os bolcheviques juravam exaltar e
defender, se revoltaram contra as políticas do governo. Lênin ordenou que a
rebelião fosse esmagada com toda a força do mundo. Em dez dias, cerca de 10 mil
pessoas morreram por se opor ao paraíso prometido por Lênin e seus camaradas.
Por sorte, um já
debilitado Lênin sofreu um derrame. Com dificuldades para falar e se locomover,
a besta ainda sobreviveu por quase um ano, até finalmente morrer no dia 21 de
janeiro de 1924. Venerado por milhões de soviéticos (forçados a idolatrá-lo), o
corpo de Lênin foi embalsamado e até hoje permanece aberto à visitação pública
na Praça Vermelha. Alguns veem aquele corpo macabramente exposto como um
exemplo dos horrores que o ser humano é capaz de perpetrar em nome de uma
ideologia nascida do ressentimento e da inveja.
Outros, como Petrone e
seus companheiros de Psol, insistem em vê-lo como líder de um projeto eugenista
que usa ideais nobres como “paz, pão e terra” para impor uma ideologia
mentirosa de guerra e fome.
Fonte: Gazeta do Povo - 23.01.2020
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