O pacote anticrime está
aprovado
Apesar de o ministro da
Justiça, Sergio Moro, ter manifestado a intenção de retomar, no Senado, alguns
pontos do pacote anticrime que haviam sido perdidos durante a tramitação na
Câmara, os senadores preferiram o certo ao duvidoso e escolheram garantir a
aprovação, com seus pontos positivos e negativos, do texto enviado pelos
deputados e que tinha passado pela CCJ do Senado na terça-feira. No dia seguinte,
a mesma comissão também aprovou o pedido de urgência, permitindo que o texto
fosse a plenário, onde foi aprovado. Repetiu-se, assim, a estratégia usada
durante a tramitação da reforma da Previdência: manter o texto no Senado para
não correr o risco de ter de devolver o projeto à Câmara e vê-lo ainda mais
desfigurado. Com isso, o pacote anticrime vai para a sanção do presidente Jair
Bolsonaro.
O relator do texto no
Senado, Marcos do Val (Podemos-ES), admitiu que a opção por preservar o projeto
da forma como veio da Câmara significou deixar de lado pontos que os senadores
tenderiam a recolocar no pacote. “Acreditamos sinceramente que o caminho
apresentado pelo substitutivo, embora tenha suprimido inovações que nos
pareciam bastante meritórias, é o mais adequado para os tempos que vivemos”,
afirmou o senador. Ficaram de fora, por exemplo, o plea bargain, a adoção da
videoconferência como regra, o endurecimento do regime de prisão para
reincidentes, novas exigências para embargos infringentes ou de nulidade. Outra
proposta importante de Moro, a alteração no Código de Processo Penal para
permitir a prisão após condenação em segunda instância, também foi retirada no
grupo de trabalho da Câmara, mas pelo menos neste caso os senadores estão
agindo: a CCJ aprovou em caráter terminativo outro projeto de lei com o mesmo
efeito – no entanto, há o risco de a matéria ter de ir ao plenário do Senado, e
neste caso esbarrará no presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que
prometeu deixar o assunto paralisado até abril de 2020, pelo menos.
O Senado quer assumir o protagonismo na hora
de trazer
de volta os bons itens do pacote anticrime
que ficaram pelo caminho
Isso não significa, no
entanto, que os senadores estejam abrindo mão definitivamente daquilo que consideram
válido nas propostas de Moro, mas que ficou de fora do pacote anticrime. Assim
como está ocorrendo no caso do Código de Processo Penal, e assim como se fez na
própria reforma da Previdência, o Senado quer assumir o protagonismo na hora de
trazer de volta os bons itens do pacote que ficaram pelo caminho. Um grupo de
senadores mais alinhados com o combate à corrupção já prometeu apresentar um
projeto com este objetivo em fevereiro do ano que vem. E, como a versão atual
do pacote anticrime também tem alguns trechos bastante problemáticos e que nem
faziam parte do texto original, a exemplo de alguns dispositivos que restringem
indevidamente o poder dos juízes, um “pacote anticrime paralelo” poderia servir
também para retirar estes pontos, caso eles já não sejam vetados por Bolsonaro.
O combate à criminalidade
– seja a violência urbana, seja o crime organizado, sejam os esquemas de
corrupção – envolve uma série de esforços. Há o policiamento ostensivo,
preventivo, que funciona como um desestímulo ao criminoso, bem como o trabalho
de investigação para solucionar os crimes já cometidos. Também ali o Ministério
da Justiça, em colaboração com os estados, vem conseguindo bons resultados,
como a redução no número de homicídios. O pacote originalmente proposto por
Moro prioriza a segunda etapa, que começa quando um criminoso é identificado e
tem de responder à Justiça.
O país construiu, aos
poucos, um arcabouço jurídico-legal com recursos infindáveis que freiam os
processos e geram, na prática, um “direito à impunidade”. Mesmo depois da
condenação, progressões de pena, “saidinhas”, indultos e toda sorte de
dispositivos legais transformam o Código Penal em peça de ficção, pois as penas
raramente são cumpridas até o fim, e é difícil até mesmo recuperar o patrimônio
oriundo da atividade criminosa. A experiência de Moro na magistratura lhe
permitiu identificar acertadamente onde estão os pontos problemáticos; no Poder
Executivo, o ex-juiz tomou para si a missão de propor os meios de sanar as
deficiências da lei atual, que impedem que a justiça seja feita. A aprovação do
pacote anticrime torna realidade uma parte deste desejo, mas os pedaços do
texto deixados pelo caminho mostram que ainda há muito a melhorar.
Gazeta do Povo - 12.12.2019
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