A era das narrativas e o
empresariado
que se deu bem com o
petismo
Há, como se diz hoje
a respeito de quase tudo, uma nova “narrativa” na praça. Como é bem sabido,
tornou-se praticamente impossível, no Brasil atual, o cidadão passar 24 horas
seguidas sem ouvir na mídia algum tipo de “narrativa” – a “narrativa” de Sua
Santidade o Papa, da moça que apanhou do marido ator de novela, do bandeirinha
de futebol e daí por diante, até o último dos 7 bilhões de habitantes do
planeta.
A “narrativa” que se pode
pegar no momento por aí, e que já começa circular no ambiente
político-empresarial-jornalístico-jurídico-garantista e mais tudo o que em
geral entra nessa sopa, é o que daria para se chamar de: “Fábula do empresário
nacional mal tratado pela justiça do seu próprio país, em vez de apoiado por
todos nesta sua hora de desventuras, como aconteceria nos Estados Unidos e na
Europa, por exemplo, onde os governos pensam em salvar empresas e empregos”.
É o que as classes
instruídas, e melhor equipadas para pensar do que você, começam a ouvir – e,
mais que isso, a dizer em palestras, entrevistas à imprensa, mesas redondas e
por aí afora.
Os empresários
apresentados ao público como vítimas de maus tratos da justiça, ou coisa
parecida, boa parte deles hoje afastados do comando efetivo das suas empresas,
são em geral de um biotipo muito conhecido no Brasil dos últimos anos: donos e
altos executivos de empresas que praticaram atos bilionários de corrupção nas
suas relações com os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, e hoje
não andam mais no lado da rua onde bate o sol. Foram pegos em flagrante.
Confessaram, com papel passado e assinado, os crimes que cometeram.
Delataram-se uns aos outros, sem constrangimento, diante da autoridade
judiciária. Pagaram multas-gigante, tiveram de devolver dinheiro roubado e
fizeram “acordos de leniência” com órgãos do Estado, para pagar penas
financeiras mais em conta – acordos que são, de novo, confissões perfeitas da
prática de delitos previstos no Código Penal brasileiro.
A “narrativa” que começam
a vender, agora, é que o mal que fizeram, junto com os participantes dos
governos de Lula e de Dilma, não foi, no fundo, tão grande assim. Na verdade,
talvez nem tenham tido tanta culpa pelo que fizeram – afinal, precisavam fazer
suas empresas trabalhar (e gerar empregos, claro, gerar empregos acima de tudo)
e os governos deste pais, como todo mundo sabe, não deixam ninguém funcionar
sem o pagamento de propinas. Não se pode esquecer que muitos pagaram, com todos
os juros, tudo o que tomaram emprestado do BNDES, Banco do Brasil e outros
guichês onde magnatas amigos de quem manda encontram “dinheiro barato” – não
fizeram nada de útil para o país com as cordilheiras de dinheiro que receberam,
mas isso são outros 500, não é mesmo? Foram enganados em seus negócios com
Angola, Cuba, Moçambique, Guiné e outras potências desse porte; como iriam
imaginar que uma coisa dessas pudesse acontecer? E por aí vamos.
Não faltam ajudantes para
tocar essa “narrativa” segundo a qual ladrões confessos de dinheiro público vão
tentando, discretamente, livrar-se do seu registro como bandidos e ir vestindo
a fantasia de empresários mais ou menos normais, “simples homens de negócios
úteis para a economia brasileira”, ou mesmo vítimas das circunstâncias. Aqui e
ali o presidente do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, dá a sua mão. Aqui,
ele diz que não pode haver progresso se houver muito rigor nas exigências de
ordem. Ali, diz que um “lado ruim” da Operação Lava Jato foi quebrar empresas;
imagina-se, então, que seus crimes de corrupção não deveriam ter sido punidos,
para que elas continuassem colaborando com o avanço econômico do país. É
aplaudido por banqueiros e tratado com deferência na mídia.
A Odebrecht, no momento,
parece ser quem está avançando mais na construção da nova “narrativa” – justo
ela, a Odebrecht, dada como a campeã mundial da corrupção em todos os tempos.
Seu ex-presidente, Marcelo Odebrecht, voltou a aparecer na mídia e a empresa
voltou a ser comentada. Só que você não vai ouvir falar na palavra “corrupção”
em nada disso. A “narrativa” vai tentar lhe mostrar que o problema da empresa e
do reinado de Odebrecht, no fundo, foram dissenções internas, operações de
altíssima complexidade no exterior e mais uma porção de milagres. Quem sabe
acaba pegando?
J. R. Guzzo
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