A mesma coisa
O ex-presidente Lula acaba
de completar uma semana do lado de fora da
cela sala-e-quarto onde passou o último ano e meio, mas não foi preciso mais do
que uma ou duas horas para ficar claro que ele saiu de lá, na melhor das
hipóteses, igual ao que era quando entrou. Talvez já tenha passado da idade para
fazer mudanças. Talvez não consiga ser diferente da pessoa que se tornou desde
que sua vida política foi à falência – ou, como se diz hoje, entrou em
recuperação judicial. Talvez tenha uma incapacidade clínica de perceber que
pode cometer algum erro. Acha que está sempre ganhando, mesmo quando o placar
mostra 4 a 0 para o adversário – e quando a coisa fica assim nada tem conserto.
O fato é que Lula não foi capaz, depois de solto, de fazer um único gesto de
paz. Como antes de ser preso, quando ameaçava por “o exército do Stédile na
rua”, só conseguiu apresentar uma proposta: “Vamos para a briga”.
Os especialistas em
analisar Lula e concluir que ele sempre tem alguma estratégia genial na cabeça,
tão genial que está necessariamente acima do entendimento comum, sugerem que o
homem, mais uma vez, está dando uma aula de política para o Brasil. Que aula seria
essa? Como no “Plano de Deus”, que o catecismo nos diz que é misterioso por
natureza, e por isso dispensa explicações lógicas, o Plano de Lula nos será,
talvez, revelado um dia. Por enquanto o que temos é o que ele diz em público.
Uma de suas primeiras sugestões foi transformar o Brasil “num Chile”, onde
milícias do mesmo tipo que as suas querem obter o socialismo instantâneo
tocando fogo no metrô. Outra foi disputar com o ministro Sérgio Moro, mano a mano, um pega de MMA para
ver do lado de quem o povo brasileiro está. Declarou uma guerra de destruição
contra o governo eleito do presidente Jair Bolsonaro. O pensador-chefe de seu
partido disse que “a luta”, agora, não é mais para tirar Lula da cadeia, mas
para “retomarmos o governo” – ou o poder, que, segundo o mesmo pensador, é uma
coisa “muito diferente do que ganhar eleições”. O que significa um negócio desses?
Deve fazer parte, talvez, do “Plano de Deus” – de modo que não adianta ficar
perguntando muito.
O que se pode dizer, com
certeza, é que nada disso combina com a vida real. Lula continua inelegível e
condenado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em três instâncias. Não
foi absolvido de nada – ao contrário, já está condenado num segundo processo
criminal e tem mais uma meia dúzia de sentenças ainda a receber, das quais
poderá apelar em liberdade por graça do STF. Bolsonaro e Moro, com
quem ele quer brigar diretamente, são as figuras políticas mais populares do
Brasil. Para destruir o presente governo Lula precisa combinar com os
resultados concretos da economia, que estão fora de seu controle; não é fazendo
“greve geral” e queimando pneu na rua que vai alterar o PIB, a inflação ou a
taxa de juros. A oposição que ele diz comandar não tem 20% dos votos da Câmara
e menos ainda que isso no Senado; na última vez que foi brigar, na reforma da Previdência, o governo ganhou com
uma maioria de três quartos. Não pode nomear um porteiro de repartição. Terá de
vencer eleições já no ano que vem, para as prefeituras, e em 2022. As Forças Armadas não
estão a seu serviço, como acontece na Venezuela, para virar a mesa.
O fato é que Lula joga
tudo, mais uma vez, no “nós contra eles”. O problema, nessas coisas, é saber
direito quantos são os “nós” e quantos são os “eles”. São pequenos detalhes
assim que criam as grandes dores de cabeça dessa vida. Os piores desastres, como
se sabe, são causados por aquilo que não aprendemos.
J R Guzzo
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