O imposto sobre fortunas e
o desprezo
do PSOL pela via legislativa
Já se tornou hábito de
determinados partidos políticos buscar o Supremo Tribunal Federal, pedindo que
o Judiciário assuma o papel de legislador, quando não conseguem fazer
prevalecer suas plataformas no Congresso Nacional, segundo o processo
democrático. Foi o que ocorreu recentemente, quando o STF equiparou a homofobia
ao racismo, um equívoco que já comentamos longamente neste espaço. Da mesma
forma, a ADPF 442 quer legalizar o aborto no Brasil pela via judiciária. Em
comum, essas ações têm como autores ou coautores partidos de esquerda. É o que
acaba de ocorrer mais uma vez, com o Partido Socialismo e Liberdade (PSol)
ajuizando a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 55, que terá
relatoria de Marco Aurélio Mello e pretende forçar o Congresso a criar um
imposto sobre grandes fortunas. Não é nosso objetivo, neste momento, discutir a
conveniência do imposto propriamente dito, mas apenas analisar o mecanismo
usado pelo PSol para que ele seja criado no Brasil, bem como a argumentação
usada pelo partido político.
Ao contrário do que pode
sugerir a escolha de uma ADO para conseguir criar o imposto tão desejado, se há
algo que não pode ser imputado ao Congresso neste caso é omissão. Projetos de
lei sobre o tema têm sido propostos com enorme frequência no Legislativo
federal – um deles, o PLP 277/08, que está na Câmara, tem apensados 15 outros
projetos, apresentados entre 2011 e 2019, todos com o mesmo objetivo. Vários
deles passaram por comissões e estão prontos para ir aos respectivos plenários.
O fato de não terem sido colocados na pauta nem de longe indica omissão,
especialmente em um tema que vem sendo exaustivamente discutido pelos deputados
e senadores. Mais uma vez, quando os proponentes da ação alegam “omissão”, na
verdade estão se referindo à “omissão em produzir os resultados desejados” –
para o PSol, basta que o Legislativo decida contrariamente aos interesses do
partido, ou mesmo que opte por não colocar o tema na pauta imediatamente (o que
é uma prerrogativa dos presidentes das casas), para que se busque o Judiciário
alegando “omissão”, desprezando totalmente a dinâmica do processo legislativo.
A Constituição apenas
afirma que um imposto
sobre grandes fortunas teria de ser de competência federal,
mas não diz que sua criação é obrigatória
sobre grandes fortunas teria de ser de competência federal,
mas não diz que sua criação é obrigatória
Além disso, a própria
argumentação usada pelo partido é totalmente deficiente. Os autores recorrem ao
artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, segundo o qual “Compete à
União instituir impostos sobre: (...) grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
Faz-se, aqui, uma confusão primária entre competência e obrigação. O que a
Carta Magna afirma é, simplesmente, que um imposto sobre grandes fortunas teria
de ser instituído pelo governo federal, e não por um estado ou um município.
Daí não se conclui que haja uma obrigação constitucional de tributar grandes
fortunas.
É curioso que os autores
da ação não tenham citado a Lei de Responsabilidade Fiscal, que em seu artigo
11 afirma que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão
fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da
competência constitucional do ente da Federação”, o que aparentemente tornaria
obrigatória a criação dos impostos descritos nos artigos 153 (no caso da
União), 155 (para estados e Distrito Federal) e 156 (no caso dos municípios) da
Constituição. Em agosto deste ano, o STF considerou constitucional este artigo,
a discussão tratou da vedação de transferências da União a estados e
municípios, e não da obrigatoriedade de um ente federativo criar impostos. A
posição majoritária entre os tributaristas, aliás, é a de que a instituição de
tributos continua sendo facultativa.
O caminho escolhido, em
vez de citar a LRF, foi o de mencionar os objetivos fundamentais da República,
descritos no artigo 3.º da Constituição, que incluem “construir uma sociedade
livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais”. No entanto, o pedido não explica como o
uso do imposto sobre grandes fortunas para atingir esses objetivos levaria
necessariamente à existência de uma obrigação constitucional de sua criação,
até porque há outros mecanismos tributários que podem ser usados com essa
finalidade.
Estamos, assim, diante de
uma aberração, em que um partido político tenta usar o Judiciário para
transformar em obrigação algo que a Constituição Federal trata como
facultativo, alegando para isso uma “omissão” inexistente. O PSol, mais uma
vez, usa o Supremo para conseguir na marra o que seus parlamentares não são
capazes de obter pela via legislativa, um comportamento incompatível com atores
políticos maduros, e muito mais parecido com o de crianças mimadas que reclamam
quando não têm o que querem.
Gazeta do Povo
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