“Autoritarismo” no Supremo
O primeiro dia do
julgamento das ADCs 43,44 e 54 no plenário do Supremo Tribunal Federal não teve
definição alguma; o ministro relator, Marco Aurélio Mello, leu seu relatório e
os ministros ouviram as argumentações de advogados que representavam partes envolvidas
e interessadas nas ações, que buscam definir a partir de que ponto a pena de
prisão pode começar a ser cumprida – se apenas com o esgotamento de todos os
recursos, ou se a partir da condenação em segunda instância, como ocorre
atualmente. Os votos propriamente ditos começarão a ser lidos apenas na próxima
semana.
No entanto, Marco Aurélio
aproveitou a chance para criticar fortemente o presidente da corte, Dias
Toffoli, devido a um episódio ocorrido em dezembro do ano passado. Às vésperas
do recesso do Poder Judiciário, Marco Aurélio concedeu uma liminar monocrática
– ou seja, em que o magistrado decide sozinho – determinando a soltura de todos
os presos que cumpriam pena após condenação em segunda instância, mas sem
trânsito em julgado, e que também não tivessem contra si ordens de prisão
preventiva ou temporária. A atitude gerou enorme polêmica que durou toda uma
tarde, até que Toffoli interviesse e revogasse a liminar, a pedido da
Procuradoria-Geral da República. Na sessão desta quinta-feira, Marco Aurélio
atacou o que chamou de “visão autoritária e totalitária no Supremo”, afirmando
que, quando o presidente da corte age como “superior hierárquico dos pares”,
“enfraquece a instituição”.
O autoritarismo surge
quando um
ministro resolve
ignorar as determinações
anteriores da corte,
colocando sua vontade
acima daquela da
maioria dos colegas
Aqui, cabe a pergunta.
Quando um ministro, de forma monocrática, atropela a jurisprudência
estabelecida pelo plenário da corte – não uma, mas várias vezes desde 2016 –
para fazer valer a própria opinião, e outro ministro, no comando da corte,
restabelece o respeito a essa mesma jurisprudência, quem está “enfraquecendo a
instituição”? Naquele 19 de dezembro, a normalidade institucional foi colocada
em risco porque um ministro estava insatisfeito com a demora para se julgar as
ações das quais era relator, sem disposição para esperar pela data do
julgamento, que já estava definida. Esta, sim, foi uma manifestação de
autoritarismo, e não a atitude daquele que restaurou a segurança jurídica
naquele momento.
Um contraponto à atitude
de Marco Aurélio está na atitude que a ministra Rosa Weber tomou em abril do
ano passado, durante o julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula
para impedir que ele fosse preso. A ministra defende o início da execução da
pena apenas com o trânsito em julgado, ou seja, com o esgotamento de todos os
recursos nos tribunais superiores – portanto, havia sido voto vencido em 2016.
Mesmo assim, ela votou contra o habeas corpus, em respeito à colegialidade e ao
plenário que havia decidido de forma contrária à convicção da ministra. Se a
jurisprudência em vigor permitia a prisão após a condenação em segunda
instância, era preciso decidir de acordo com essa jurisprudência. E, não
havendo ilegalidade nas decisões judiciais anteriores contra Lula, não havia
por que conceder o habeas corpus, afirmou a ministra, enquanto era atacada por
outros colegas, como Ricardo Lewandowski e o próprio Marco Aurélio. O voto de
Rosa Weber foi decisivo para que, dias depois, o ex-presidente começasse a
cumprir sua pena por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do
Guarujá.
O que o Brasil espera dos
ministros do Supremo é justamente esse respeito à colegialidade e à
jurisprudência estabelecida pelo tribunal, demonstrada por Rosa Weber em abril
de 2018 e por Dias Toffoli em dezembro daquele mesmo ano, pois esse respeito
ajuda a construir a segurança jurídica de que o país tanto necessita. O
autoritarismo surge quando um ministro resolve ignorar as determinações
anteriores da corte, colocando sua vontade acima daquela da maioria dos colegas
e causando crises institucionais desnecessárias.
Gazeta do Povo
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