O fim de uma perseguição
Nos últimos dias de junho,
o corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel Moreira, tomou
uma decisão importante para que não se desse continuidade a uma perseguição
flagrantemente irregular. Moreira mandou arquivar a investigação contra o
procurador da República Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato
em Curitiba, fruto de uma reclamação disciplinar protocolada no Conselho
Nacional do Ministério Público em 10 de junho.
Naquela data, os
conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello, Gustavo Rocha, Erick Venâncio
Lima do Nascimento e Leonardo Accioly da Silva pediram que fosse instaurada uma
sindicância para apurar as condutas de Dallagnol após a divulgação, pelo site
de esquerda The Intercept Brasil, de supostos diálogos entre o procurador e o
então juiz federal Sergio Moro. Posteriormente, foram protocoladas novas
representações, assinadas pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), pelo PSol e
pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, também de
posicionamento mais à esquerda. Dallagnol e os outros membros da força-tarefa
citados se manifestaram no dia 26, e após essa resposta a investigação foi
encerrada.
Representações baseadas
unicamente em provas
obtidas de forma criminosa e de autenticidade questionável
não passam de uma tentativa de perseguição
Moreira acolheu as
justificativas dos procuradores, e nem havia como ser diferente. O corregedor
ressaltou que, ainda que as mensagens publicadas sejam efetivamente verdadeiras
– assunto sobre o qual ainda pairam dúvidas pertinentes –, o modo criminoso
como foram obtidas inviabilizaria logo de partida qualquer processo disciplinar
contra a força-tarefa. A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inciso LVI,
diz claramente que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos”. Ora, se todas as reclamações protocoladas se baseiam única e
exclusivamente nas reportagens do Intercept, que por sua vez têm como única
fonte o produto da invasão de aparelhos dos procuradores, o arquivamento era o
único desfecho possível. O corregedor cita, ainda, jurisprudência do STF
baseada na teoria dos “frutos da árvore envenenada”, trazendo a ementa de um
julgamento de 2008 segundo o qual “ninguém pode ser investigado, denunciado ou
condenado com base, unicamente, em provas ilícitas”.
Na decisão, o corregedor
alegou que, pela própria natureza da reclamação disciplinar, ela não pode ser
indeferida logo no inicio, exigindo-se as etapas de notificação e defesa dos
procuradores. Ou seja, Moreira não podia ter encerrado a investigação antes,
fazendo-o assim que o regulamento permitiu, diante das evidentes fragilidades.
O problema, portanto, não está no modo de proceder do corregedor, mas daqueles
que deram início ao processo. Enquanto podemos aceitar o uso de uma prova
ilícita para defender a inocência de alguém, a inutilidade desse tipo de
evidência para a acusação é amplamente conhecida. Difícil acreditar que fosse
ignorada pelos que protocolaram reclamação contra a força-tarefa. Que ainda
assim políticos e partidos interessados em desmoralizar a Lava Jato tenham
recorrido a esse expediente mostra que seu intento não é fazer justiça, mas
constranger Dallagnol e seus colegas. Mais vergonhoso ainda é que um quarteto
de conselheiros do MP e os tais “Juristas pela Democracia” tenham ajudado a
construir o que seria uma farsa jurídica.
Além disso, merece
destaque também o fato de que, apenas “por louvor ao debate”, o corregedor
Moreira tenha ainda se debruçado sobre o próprio mérito da questão, ou seja, a
suposta conduta atribuída a Dallagnol. Moreira concluiu que, ainda que as
mensagens e sua autoria sejam confirmadas, ainda que não tenha havido nenhum
tipo de adulteração ou distorção, não é possível identificar infração
disciplinar. “Não se identifica articulação para combinar argumentos, conteúdo
de peças ou antecipação de juízo ou resultado”, escreveu o corregedor, também
ressaltando o caráter frequente da comunicação entre juiz e MP.
Representações baseadas
unicamente em provas obtidas de forma criminosa e de autenticidade questionável
não passam de uma tentativa de perseguição. Felizmente, a Corregedoria Nacional
do MP não se prestou a esse papel.
Gazeta do Povo
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