Hoje não (venceu a
prudência)
O Supremo Tribunal Federal
já errou muito, é verdade. Contudo, acertou hoje quando a Segunda Turma decidiu
pela manutenção do ex-presidente Lula na cadeia.
Dentre as razões pelas
quais boa parte da sociedade torce o nariz para a figura do advogado está a sua
própria ignorância. Existe uma dificuldade genuína, porém não menos obtusa, em
aceitar que o Direito não segue uma lógica matemática. Há leis, obviamente,
todavia também há espaço para argumentos. A própria existência de juízes e
doutores estabelece a natureza vacilante de um processo; a imprevisibilidade de
um veredito.
É portanto compreensível
que tratemos ministros — e de tempos para cá até juízes de primeira instância,
para não falar em procuradores da República — como se estrelas de cinema
fossem. Fulano é correto; beltrano, vendido; ciclano, petista; e aquele outro, um
completo obcecado em perseguir determinada legenda.
Não que Gilmares, Cármens,
Ricardos e Moros deixem de alimentar estereótipos. Entretanto, sob a ótica do
torcedor, não há nada que os impeça de decepcionar. Bem ao contrário, todos
estão fadados à execração pública por uma decisão tomada.
Hoje não foi um desses
dias. Tudo correu de acordo com o roteiro já desenhado. Ainda que o voto do
decano da Corte, Celso de Mello, tenha momentaneamente causado algum frisson.
Há semanas ocorre uma
campanha deslavada para livrar Lula da cadeia, sob o pretexto de que Sérgio
Moro, ainda na época em que era juiz, tenha julgado o ex-presidente sem a
imparcialidade recomendada. Escrevo desde o início da revelação dos diálogos e
mantenho a minha opinião: as conversas entre Moro e Deltan Dallagnol são
vexatórias — o argumento utilizado por muitos do meio jurídico de que seriam
corriqueiras não muda esse fato —, mas não há nada nelas capaz de tornar Luiz
Inácio inocente.
Em tempos de polarização,
em especial com um governo como o de Jair Bolsonaro, que faz de tudo para
reacender os setores mais perversos da esquerda, reforçar as obviedades é por
vezes fundamental: Lula foi condenado inclusive em instância superior no caso
do triplex em Guarujá. Há também uma condenação em primeira instância por conta
do processo sobre o sítio em Atibaia. Basta que o TRF-4 confirme a condenação
para que uma nova ordem de prisão seja expedida.
No afã de querer ver Lula
solto, seja por afinidade política ou antipatia ao zeitgeist bolsonarista, parece
que muitos se esqueceram de um ponto crucial: acima de tudo no Brasil, onde o
sistema sempre virou o rosto para os crimes de colarinho branco, a soltura de
um ex-presidente condenado múltiplas vezes não seria apenas equivocada do ponto
de vista moral, mas possivelmente ensejaria reviravoltas em outros processos.
E ressuscitaria a nossa
convicção de que a lei não é mesmo para todos.
Mario Vitor Rodrigues
Escritor e analista
político
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