Massacre em Manaus
Quase dois anos e meio
depois de um massacre que matou quase 60 detentos, o Complexo Penitenciário
Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM) voltou às manchetes pelo mesmo motivo.
Entre o domingo, dia 26, e segunda-feira, dia 27, mais 55 presos foram
assassinados, por enforcamento ou com uso de armas brancas, durante o horário
de visitas. Assim como no episódio de 2017, as mortes evidenciam o poder que as
facções criminosas têm dentro do sistema penitenciário nacional.
No primeiro massacre,
tratava-se de uma disputa entre facções. A Família do Norte (FDN), aliada ao
Comando Vermelho (CV), se impôs sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) no
presídio amazonense – a retaliação do PCC ocorreu logo depois, em Roraima.
Agora, o confronto e o massacre resultaram de um racha interno na FDN, dividida
entre os grupos de José Roberto Barbosa, o “Zé Roberto da Compensa”, e João
Pinto Carioca, o “João Branco”. Este último teria sido o mandante do ataque
dentro do Compaj. As forças de segurança do estado do Amazonas foram pegas de
surpresa pela onda de violência, mostrando que não havia preparo nem
inteligência suficientes para lidar com o racha interno, que já era conhecido
das autoridades graças a outros assassinatos cometidos em Manaus, fora da
cadeia. Só com o massacre em curso é que foi enviada a Força-tarefa de
Intervenção Penitenciária, a pedido do governador Wilson Lima, para atuar ao
lado da Força Nacional, que já fazia a segurança interna do presídio desde
2017.
Não existe "punitivismo" num país onde a
maioria dos assassinos, ladrões, traficantes e estupradores jamais chega a ser
identificada, quanto mais julgada ou condenada
O novo massacre de Manaus
reforça o quanto o crime organizado desafia as autoridades, chegando a dar as
cartas dentro dos presídios brasileiros, além de sua atuação e ramificações nas
ruas das cidades brasileiras, dominando o tráfico de drogas e armas e até mesmo
estabelecendo uma rede de apoio para seus membros, como no caso do famoso
“plano de saúde” do PCC, descoberto por órgãos de investigação paulistas em
2016. O Amazonas tem papel estratégico por ser a porta de entrada da cocaína
peruana, que vem pelo Rio Solimões, abastece as regiões Norte e Nordeste e
também é enviada ao exterior.
Desarticular o crime
organizado que domina ruas e prisões é tarefa hercúlea, e não é pessimismo
dizer que os criminosos estão alguns passos à frente do governo, até pela
facilidade concedida pelo fato de operarem à margem da lei. Um trabalho
conjunto entre estados e União pode gerar resultados, como na ação conjunta
que, em fevereiro, levou à transferência de chefões do PCC, entre eles Marcos
Camacho, o Marcola, para presídios federais. Mas o mero isolamento geográfico não
basta, e o massacre no Compaj mostra isso – tanto “Zé Roberto da Compensa”
quanto “João Branco” estão em presídios federais distantes do Amazonas.
Uma das abordagens
escolhidas pelo governo federal é o estrangulamento financeiro das facções, que
o pacote anticrime proposto pelo ministro Sergio Moro contempla ao prever o
confisco de bens obtidos ilicitamente por membros do crime organizado que tenham
sido condenados pela Justiça. Tais bens, por sua vez, podem ser revertidos em
recursos para o reaparelhamento das forças de segurança, como no caso dos
leilões de 20 mil itens que Moro quer acelerar. Tais medidas, sozinhas, não
conseguirão fazer secar a fonte do dinheiro das facções, mas são um começo
urgente e necessário.
O enfraquecimento do crime
organizado não reverterá em benefícios apenas para o cidadão acuado pela
violência urbana de hoje; ele também tornará as próprias prisões um local menos
insalubre, em que os detentos possam pagar pelos crimes cometidos sem serem
forçados a aderir a esta ou aquela facção. Este, no entanto, é apenas um
problema do sistema prisional atual, que padece de muitas outras mazelas. A
superlotação, por exemplo, é resultado da falta de investimento no setor, e não
de um suposto “punitivismo”, inexistente no país onde a maioria dos assassinos,
ladrões, traficantes e estupradores jamais chega a ser identificada, quanto
mais julgada ou condenada. E é por faltar vagas prisionais que condenados pela
Justiça cumprem pena ao lado de pessoas aguardando julgamento; que criminosos
perigosos ficam lado a lado com aqueles condenados por crimes de menor
potencial ofensivo. Um Judiciário sobrecarregado não julga e nem solta – nos
casos em que isso se aplica – com a celeridade necessária. Trabalho e estudo
dentro das cadeias deveriam ser a regra, mas são exceção. Tal diagnóstico não
deve nos levar a considerar que a questão das penitenciárias é insolúvel, mas
resolvê-la exigirá muito mais que o que vem sendo feito até agora.
Gazeta do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário