terça-feira, 2 de abril de 2019






Carlos Lyra vai além da bossa nova no primeiro álbum autoral de músicas inéditas em 25 anos*

Em forma aos 85 anos, artista canta tango e até samba de breque 
em disco sofisticado.Foto: Divulgação/Reprodução

É impossível – e até injusto – dissociar Carlos Lyra da Bossa Nova. Basta dizer que a assinatura deste cantor, compositor e músico carioca nascido em 11 maio de 1933 – já a pouco mais de um mês de completar 86 anos de vida – figura em nada menos do que três das 12 músicas de Chega de saudade, o histórico primeiro álbum do criador da bossa, João Gilberto.

Basta dizer também que, quando o LP Chega de saudade foi lançado em 1959, Lyra apresentou naquele mesmo ano o primeiro álbum, intitulado Bossa Nova, com a obra autoral que começara a erguer em 1954 com a composição de Quando chegares.

Ao mesmo tempo em que sedimentou o nome em torno do movimento que ganhou o mundo, Lyra também foi além da bossa com o dom de excepcional melodista que impressionava até o soberano Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994). A rigor, Lyra sempre foi muito além do universo musical da Bossa Nova sem jamais ter se dissociado dela.

É nesse contexto que o magnífico álbum Além da bossa – lançado pelo artista de forma independente – precisa ser entendido. Trata-se do primeiro álbum solo autoral de Lyra com músicas inéditas em 25 anos. O último no gênero, Carioca de algema, saiu no já longínquo ano de 1994.

Com sonoridade clássica e refinada, Além da bossa é disco fiel ao estilo 
de Lyra. Extrapola a Bossa Nova, mas sem cortar elos com a bossa.

Há músicas realmente inéditas entre as 14 composições desse álbum viabilizado com a produção executiva de Magda Botafogo e orquestrado pelo produtor musical Alex Moreira com sofisticados arranjos e orquestrações de nomes como Marcos Valle, Dori Caymmi, Jaques Morelenbaum, Antonio Adolfo e o próprio Lyra, entre outros.

Outras músicas já foram gravadas por alguns intérpretes e/ou parceiros, mas eram inéditas na voz de Lyra. A única composição já registrada em disco pelo artista é Aonde andou você, composta em 1956 e apresentada cinco anos depois pelo autor no segundo álbum, Carlos Lyra (gravado em 1960 e lançado em 1961).

Há lampejos do majestoso melodista em músicas do porte de Quando ela fala (Carlos Lyra a partir de poema de Machado de Assis, 1999), canção inédita em disco arranjada com o devido lirismo pelo violoncelista Jaques Morelenbaum.

O hábil Morenlenbaum também entendeu o espírito de outra pérola fina do repertório, a seresteira Pelo bem da vida, parceria de Lyra com Paulo César Pinheiro composta em 1979 e gravada no ano seguinte pelos cantores Nelson Gonçalves (1919 – 1998) e Lucinha Araújo.

Com versos do poeta Pinheiro, Lyra compôs vinte anos depois o Tango suburbano (1999), alocado ao fim do álbum Além da bossa como reiteração do título e do conceito desse disco em que o eterno bossa nova dá voz inclusive a um samba de breque, Achados e perdidos (Samba da breca), tema de 1973 orquestrado com leveza por Jessé Sadoc, trompetista também arregimentado para a mesma função no samba Na batucada (2010).

Por mais que expanda o leque rítmico do disco com tango, bolero e samba de breque, compondo postumamente até com o poeta Castro Alves (1847 – 1871), autor dos versos de Duas flores (1997), Carlos Lyra é bossa nova quando arranja, com Marcos Valle, a música-título Além da bossa – composta em 2012 com Daltony Nóbrega – e o leve samba Até o fim, parceria de Lyra com Valle criada em 2006 e lançada no ano seguinte em disco do cantor Emílio Santiago (1946 – 2013).

A rigor, Além da bossa é disco que colhe repertório antigo até então preterido por Lyra. Nem por isso deixa de apresentar pérolas tiradas de baús nem sempre tão antigos.

E era Copacabana – música feita com Joyce Moreno em 2005, lançada pela parceira em 2006 e ora reapresentada por Lyra com envolventes cordas orquestradas por Dori Caymmi – e Belle époque (Carlos Lyra e Ronaldo Bastos, 2008) são joias de alto quilate.

Gravado por Lyra em 2018 na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), Além da bossa é disco em que os arranjos, criados sem invenções de moda, contribuem para evidenciar o brilho das músicas.

Aos 85 anos de vida e 65 de atividade musical, Carlos Lyra dribla expectativas e apresenta disco à altura do glorioso passado, ampliando obra referencial na música brasileira.

*Blog do Mauro Ferreira
Portal G1

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