sexta-feira, 28 de setembro de 2018

➤Mesmo que o PT perca

Zé Dirceu promete tomada do poder pelo partido

Foto: Reprodução
Um dos nomes mais poderosos que já esteve à frente do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, preso três vezes por participar dos dois maiores escândalos de corrupção da história do Brasil, no Mensalão e Petrolão, declarou em entrevista ao jornal espanhol El Pais que “é uma questão de tempo” para os petistas retornarem ao poder, independentemente do resultado das eleições. 

Ao fugir da pergunta se o PT teria participação em um suposto “momento de ódio” que o Brasil estaria atravessando, Dirceu defendeu Lula, também condenado por corrupção, e atribuiu o cenário atual ao “golpe” (impeachment de Dilma) e a Lava Jato. E completou: “De certa maneira, há um sentimento de que houve uma injustiça com Lula, que o Lula é perseguido. E quando se diz que alguém é perseguido, você não entra mais no mérito de por que a pessoa está respondendo por um suposto crime, você parte do princípio que ele é perseguido”. 

O jornal perguntou se existiria a possibilidade de o PT vencer as eleições presidenciais neste ano, mas “não levar”. Foi quando o ex-homem forte da esquerda brasileira disparou: “Acho improvável que o Brasil caminhará para um desastre total. Na comunidade internacional isso não vai ser aceito. E dentro do país é uma questão de tempo pra gente tomar o poder. Aí nós vamos tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição.” 

A entrevista foi dada em meio à campanha de divulgação do livro com as memórias de José Dirceu. Além disso, o histórico petista se mantém ativo na política, articulando, por exemplo, o apoio do MDB para a candidatura de Fernando Haddad. O MDB, é bom lembrar, foi um dos partidos que mais trabalharam pela deposição da ex-presidente Dilma, fato considerado como “golpe” por Dirceu e militantes radicais. 

Segundo reportagem de Débora Álvares, publicada na semana passada pela Gazeta do Povo, o ex-ministro petista atua nos bastidores da legenda trabalhista e mantém conversas com antigos aliados do MDB para uma futura aliança com Fernando Haddad em eventual segundo turno para presidente. Os senadores Renan Calheiros (AL) e Eunício Oliveira (CE) estão entre os preferidos nas conversas, mas também mantém interlocução com Jader Barbalho (PA) e até os ex-líder do governo de Michel Temer, Romero Jucá (RR). Todos dos MDB. 

Além da contradição de acusar o MDB de golpe ao mesmo tempo em que costura aliança com o partido, Dirceu não parece disposto a reconhecer os erros dos governos que apoiou. Disse ao El Pais: “Eles derrubaram a Dilma independentemente se ela estava certa ou errada, eles iam derrubar. E a recessão, 70% dela é a crise política. Não aprovaram o ajuste dela e fizeram a pauta bomba. Criaram uma crise política no país que ninguém comprava, ninguém vendia e ninguém emprestava”. 

Quando questionado se a prisão dos dois maiores petistas, ele e Lula, não significava nada respondeu: “Estão presas (as cabeças do partido) mas não param de dirigir, de comandar, de participar”. Mesmo negando que vá participar diretamente da campanha de Haddad confessou: “Eu ajudo o PT fazendo o que eu estou fazendo”


Gazeta do Povo (PR)

➤Guilherme Fiuza/Gazeta do Povo

Ausência de Anitta

Foto: Facebook/Reprodução
Circula no Brasil um manifesto em defesa da democracia, e seus signatários mais destacados mostraram que não estão de brincadeira: quando a cantora Anitta resolveu afirmar seu direito à opinião independente, tomou logo um tapa na boca, para deixar de ser abusada.

Anitta não tinha entendido como a banda toca. Democracia sim, querida. Mas a nossa, ok?

Ok. Ela entendeu rápido, até porque tem amor à pele. Todo mundo sabe que mexer com os democratas de porta de cadeia pode ser um problemão. Ou, mais precisamente: pode te transformar em morto-vivo. Vai cantar no banheiro, companheira, onde a acústica é perfeita para quem desafinou o coro da patrulha.

Tudo começou quando Anitta, pressionada a aderir à campanha #EleNão, contra Jair Bolsonaro, declarou que não iria fazer parte de movimento algum. Não era um posicionamento político. Ao contrário: em meio à epidemia de causas e engajamentos de ocasião, ela afirmou o direito do artista de opinar ou não opinar, se envolver ou não se envolver com o que quiser ou não quiser.

De uma simplicidade comovente.

Para quem ficou na dúvida, até porque anda um pouco difícil mesmo ver as coisas como elas são, aqui vai a confirmação: a funkeira da laje deu uma aula de dignidade à elite cultural brasileira.

Ou seja: enlouqueceu. Não sabe com quem tá se metendo, garota?

Agora já sabe. Em questão de horas, o mundo desabou sobre Anitta – essa doida que declarou que todos são livres para expressar o que quiserem. De onde terá ela tirado essa insanidade? De algum autor iluminista ou de algum para-choque de caminhão?

A real aqui é outra, parceira. É proibido proibir, desde que você não esteja atrapalhando a lenda (e o business) dos progressistas profissionais que mandam no pedaço. Cala a boca já morreu pra quem não falar demais. Ou de menos. Entendeu agora?

Entendeu. Anitta dormiu e acordou outra pessoa. Não precisou nem de lobotomia, recurso extremo que os democratas de porta de cadeia preferem não utilizar. Por si mesma – e pelo amor à sua pele bronzeada – ela reapareceu com um novo vídeo aderindo ao movimento do qual se recusara a participar 24 horas antes. Vai, malandra, que o passado passou – e o futuro é dos obedientes.

A presença de Anitta na luta contra os hipócritas de grife não durou um dia. Agora, como se dizia quando a ditadura calava ou sumia com alguém, Anitta está “ausente”.

O gentil “desafio” à cantora, que lhe oferecia a escolha entre ser frita em fogo lento ou rápido, foi vocalizado por Daniela Mercury – ela mesma a prova viva de que, nos dias de hoje, um artista sem arte só desaparece se quiser. Não tem mais o menor problema se o público não quer te ouvir, porque uma manchete sobre a sua vida sexual te bota no jogo de novo.

Se voltarem a te esquecer, você ameaça grudar numa colega bem-sucedida o selo de homofóbica e racista. Aí é só correr pro abraço.

Daniela e grande elenco de democratas temem que o Brasil caia num regime autoritário. E acharam a maneira de evitar a implantação de uma ditadura amanhã: implantá-la hoje.

O estupro moral e mercadológico de Anitta – impondo a ela o vexame de engolir sumariamente suas palavras em público – é o ato mais representativo dessa corrente da bondade que quer devolver o país a um simpático criminoso preso por corrupção. Lula e sua gangue merecem a chance de roubar um pouco mais o povo sem perder a ternura – e sem tirar um centavo dessa elite libertária que decide, docemente, quem pode dizer o que.

Ao contrário do pronunciamento original de Anitta, que não tinha segundas intenções partidárias ou ideológicas – e por isso mesmo foi abatido a tiros pela patrulha pacifista e humanitária –, o tal manifesto pela democracia é um jeitinho de panfletar para o suplente de presidiário como “salvação progressista contra o autoritarismo”.

De autoritarismo eles entendem – não o da ditadura de meio século atrás, mas a de hoje, liderada aqui do lado pelo companheiro Maduro, cujo regime sanguinário é apoiado velada ou explicitamente pelos signatários mais famosos do manifesto democrático. Se o Lula falou que o chavismo é modelo de democracia, tá falado.

Fica combinado assim: Anitta amordaçada, Lula livre, poste presidente, Dilma na presidência do Senado, Gleisi na presidência da Câmara, Toffoli na presidência do Supremo e você na Venezuela. Não precisa nem comprar passagem.

➤OPINIÃO

A higienização petista



O ex-presidente Lula da Silva disse diversas vezes que “sempre” aceitou o resultado das várias eleições que perdeu. “Quando perdi, nunca fui para rua reclamar. Voltava para casa e discutia com minha mulher e com meu partido. Depois, me preparei para disputar uma nova eleição”, declarou em 2016 o demiurgo petista, repetindo pela enésima vez essa fábula na expectativa de enganar os inocentes. Pois Lula e o PT nunca aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam e jamais enxergaram legitimidade nos presidentes aos quais faziam oposição - basta lembrar que o partido pediu o impeachment de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henrique, além de liderar uma campanha pela destituição do presidente Michel Temer.

Essa reiterada demonstração do espírito antidemocrático do PT e de Lula precisa ser relembrada no momento em que está em curso uma tentativa de higienizar a trajetória flagrantemente autoritária do partido e de seu líder para, com isso, marcar diferença em relação ao candidato Jair Bolsonaro (PSL). Segundo essa versão imaginosa, somente o truculento ex-capitão representaria uma ameaça real à democracia, enquanto o PT, malgrado seus eventuais arroubos, sempre se pautou pelas “regras do jogo”.

Provas disso, segue a lenda, seriam não somente a alegada disposição de Lula da Silva de aceitar os resultados das eleições que perdeu, como também o suposto comportamento exemplar do partido quando esteve no poder. Segundo se diz, o PT passou 14 anos no poder sem ameaçar a ordem institucional e a Constituição, razão pela qual não haveria nenhum motivo para temer uma ruptura se o lulopetismo voltar ao governo.

Já com Bolsonaro, sustenta essa narrativa, a história é bem outra. O ex-capitão já elogiou o regime militar e os torturadores de presos políticos, além de ter em sua chapa, como vice, um general que admite publicamente a hipótese de que o presidente da República dê um “autogolpe” se houver “anarquia”. Isso bastaria para demonstrar que o País estaria à beira de uma ditadura militar caso Bolsonaro venha a ganhar a eleição, enquanto com o PT esse risco não existiria.

Ora, não é preciso grande esforço para atestar a falácia de tal versão. Ameaças à democracia não se dão somente sob a forma de golpes militares clássicos, como o que Bolsonaro é acusado de estar tramando. É possível arruinar a democracia por meio de sua desmoralização paulatina e constante, como faz o PT sistematicamente há mais de três décadas.

O PT nunca admitiu contestação à sua ideologia. Impôs-se pela arrogância, patrulhando o pensamento e instaurando aquilo que John Stuart Mill, em seu clássico Sobre a Liberdade, chamou de “tirania da opinião e dos sentimentos dominantes”. Para isso, estendeu seus tentáculos sindicais e militantes às universidades e ao mundo artístico, atrelando o debate acadêmico e cultural à doutrina lulopetista. Quando esteve a ponto de ser destruído em razão dos muitos esquemas de corrupção que capitaneou - esquemas que, aliás, são também uma forma de minar a democracia -, o PT renasceu capturando a causa dos chamados movimentos identitários - de luta por reconhecimento de diversas minorias - e a transformou em arma partidária para dividir ainda mais o País. O PT viceja na discórdia radical e insuperável, inviabilizando o debate democrático.

Ademais, o partido não titubeou em fazer campanha sórdida, inclusive internacional, contra o Judiciário, o Congresso e a imprensa, classificando magistrados, parlamentares e veículos de comunicação como “golpistas” - todos, é claro, mancomunados para perseguir o PT. Não bastasse corroer a democracia por dentro, envenenando as relações entre os cidadãos e atacando as instituições, o PT ainda foi capaz de emprestar entusiasmado apoio a ditaduras como a de Cuba e a da Venezuela, sinalizando perigoso apreço por regimes de força tão ou mais violentos que a ditadura militar brasileira, a qual os petistas vivem denunciando.

A ameaça de Bolsonaro se restringe, por ora, a palavras toscas - e isso é muito ruim. Tão ruim quanto o PT, que já pôde demonstrar, na prática e extensivamente, seu espírito antidemocrático.

Portal Estadão