Foto: Facebook/Reprodução |
Circula no Brasil um
manifesto em defesa da democracia, e seus signatários mais destacados mostraram
que não estão de brincadeira: quando a cantora Anitta resolveu afirmar seu
direito à opinião independente, tomou logo um tapa na boca, para deixar de ser
abusada.
Anitta não tinha entendido
como a banda toca. Democracia sim, querida. Mas a nossa, ok?
Ok. Ela entendeu rápido,
até porque tem amor à pele. Todo mundo sabe que mexer com os democratas de
porta de cadeia pode ser um problemão. Ou, mais precisamente: pode te
transformar em morto-vivo. Vai cantar no banheiro, companheira, onde a acústica
é perfeita para quem desafinou o coro da patrulha.
Tudo começou quando
Anitta, pressionada a aderir à campanha #EleNão, contra Jair Bolsonaro,
declarou que não iria fazer parte de movimento algum. Não era um posicionamento
político. Ao contrário: em meio à epidemia de causas e engajamentos de ocasião,
ela afirmou o direito do artista de opinar ou não opinar, se envolver ou não se
envolver com o que quiser ou não quiser.
De uma simplicidade
comovente.
Para quem ficou na dúvida,
até porque anda um pouco difícil mesmo ver as coisas como elas são, aqui vai a confirmação:
a funkeira da laje deu uma aula de dignidade à elite cultural brasileira.
Ou seja: enlouqueceu. Não
sabe com quem tá se metendo, garota?
Agora já sabe. Em questão
de horas, o mundo desabou sobre Anitta – essa doida que declarou que todos são
livres para expressar o que quiserem. De onde terá ela tirado essa insanidade?
De algum autor iluminista ou de algum para-choque de caminhão?
A real aqui é outra,
parceira. É proibido proibir, desde que você não esteja atrapalhando a lenda (e
o business) dos progressistas profissionais que mandam no pedaço. Cala a boca
já morreu pra quem não falar demais. Ou de menos. Entendeu agora?
Entendeu. Anitta dormiu e
acordou outra pessoa. Não precisou nem de lobotomia, recurso extremo que os
democratas de porta de cadeia preferem não utilizar. Por si mesma – e pelo amor
à sua pele bronzeada – ela reapareceu com um novo vídeo aderindo ao movimento
do qual se recusara a participar 24 horas antes. Vai, malandra, que o passado
passou – e o futuro é dos obedientes.
A presença de Anitta na
luta contra os hipócritas de grife não durou um dia. Agora, como se dizia
quando a ditadura calava ou sumia com alguém, Anitta está “ausente”.
O gentil “desafio” à
cantora, que lhe oferecia a escolha entre ser frita em fogo lento ou rápido,
foi vocalizado por Daniela Mercury – ela mesma a prova viva de que, nos dias de
hoje, um artista sem arte só desaparece se quiser. Não tem mais o menor
problema se o público não quer te ouvir, porque uma manchete sobre a sua vida
sexual te bota no jogo de novo.
Se voltarem a te esquecer,
você ameaça grudar numa colega bem-sucedida o selo de homofóbica e racista. Aí
é só correr pro abraço.
Daniela e grande elenco de
democratas temem que o Brasil caia num regime autoritário. E acharam a maneira
de evitar a implantação de uma ditadura amanhã: implantá-la hoje.
O estupro moral e
mercadológico de Anitta – impondo a ela o vexame de engolir sumariamente suas
palavras em público – é o ato mais representativo dessa corrente da bondade que
quer devolver o país a um simpático criminoso preso por corrupção. Lula e sua
gangue merecem a chance de roubar um pouco mais o povo sem perder a ternura – e
sem tirar um centavo dessa elite libertária que decide, docemente, quem pode
dizer o que.
Ao contrário do pronunciamento
original de Anitta, que não tinha segundas intenções partidárias ou ideológicas
– e por isso mesmo foi abatido a tiros pela patrulha pacifista e humanitária –,
o tal manifesto pela democracia é um jeitinho de panfletar para o suplente de
presidiário como “salvação progressista contra o autoritarismo”.
De autoritarismo eles
entendem – não o da ditadura de meio século atrás, mas a de hoje, liderada aqui
do lado pelo companheiro Maduro, cujo regime sanguinário é apoiado velada ou
explicitamente pelos signatários mais famosos do manifesto democrático. Se o
Lula falou que o chavismo é modelo de democracia, tá falado.
Fica combinado assim:
Anitta amordaçada, Lula livre, poste presidente, Dilma na presidência do
Senado, Gleisi na presidência da Câmara, Toffoli na presidência do Supremo e
você na Venezuela. Não precisa nem comprar passagem.
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