Predileção por tutelados
Há um traço comum e insano
nas duas candidaturas a presidente que agora lideram as pesquisas de intenção
de voto. Tanto num caso como noutro, boa parte dos eleitores espera que, uma
vez eleito e empossado, o candidato de sua preferência passe a governar sob a
estrita tutela de outra pessoa.
No caso de Fernando
Haddad, tal expectativa vem sendo estimulada de forma escancarada. Próceres do
PT vêm anunciando que Lula será indultado no primeiro dia de governo. E dando
força à ideia de que o ex-presidente passará a ocupar sala ao lado do gabinete
presidencial, no Planalto. A menos, claro, que prefira que Haddad ocupe a sala
ao lado.
Diante da péssima
repercussão desse desvario, o candidato petista viu-se obrigado a esclarecer
que Lula não será indultado. O que não impediu que Gleisi Hoffmann continuasse
a insistir que Lula será solto em breve e “terá o papel que quiser no governo”.
O PT continua a martelar
que votar em Haddad é votar em Lula. E que é isso que permitirá ao “povo ser
feliz de novo”. O que vem sendo omitido, nesse novo engodo eleitoral, é que o
povo deixou de ser feliz porque Lula permitiu que Dilma Rousseff lançasse o
país no colossal atoleiro em que está metido, ao cometer o despropósito de
alçá-la à Presidência da República.
O silogismo completo
deveria ser outro. Haddad é Lula, e como Lula é Dilma, Haddad é Dilma. E não
será com Haddad que o povo vai ser feliz de novo. Para se livrar desse entalo,
o candidato petista tem-se agarrado a uma narrativa descaradamente desonesta,
que retoma a mentira do estelionato eleitoral de 2014 no ponto exato em que
Dilma a deixou.
A brutal crise econômica
deixada pelo PT não teria decorrido dos monumentais erros de Dilma, mas de uma
conspiração do PSDB e do PMDB, que teria inviabilizado seu segundo mandato. O
mais preocupante é que, irredutível como está na negação dos erros de Dilma,
Haddad mostra-se pronto a voltar a cometê-los, ao adotar um programa de governo
que parece ter saído do mesmo laboratório em que foi concebida a desastrosa
“nova matriz macroeconômica”. Tampouco há disposição da parte de Haddad de
reconhecer os erros que acabaram deixando o PT no centro da Lava-Jato e
operações similares.
É notável que, no extremo
oposto do espectro político, eleitores de Jair Bolsonaro também acalentem a
ideia de eleger um presidente que governe sob tutela. Esperam que, despreparado
como é, o candidato seja rigorosamente tutelado por Paulo Guedes.
É preciso ter em conta que
não há entre Bolsonaro e Guedes a relação de abjeta submissão que se observa
entre Haddad e Lula e, sim, um precário casamento de conveniência, que deixa
amplo espaço para dúvidas sobre a real ascendência que o economista poderá ter
sobre o capitão.
O problema é que, no
sinistro entorno de Bolsonaro, há muito mais gente querendo fazer a cabeça do
capitão, e com ideias bem mais condizentes com as que o candidato sempre
defendeu em três décadas de atuação no Congresso.
Até agora, a candidatura
de Bolsonaro vinha tirando bom proveito do que talvez tenha sido a maior fake
news da atual campanha presidencial: o mito de que Guedes deteria a fórmula
mágica de um bombástico programa de ajuste fiscal instantâneo que permitiria
zerar o déficit primário do governo já em 2019.
Mas a informação de que,
em meio ao desespero de tentar entregar o prometido, Guedes estaria
contemplando até a recriação de uma fantasmagórica e avantajada CPMF teve
efeitos devastadores sobre essa mistificação. Deixou pouco espaço para
autoengano entre os que ainda se recusavam a perceber que o tal programa
simplesmente não existe. Bolsonaro e sua turma já se deram conta disso. O que
ainda não se sabe é como esse choque de realidade afetará sua relação com
Guedes.
Seja como for, eleitores
que vinham tentando se convencer de que o despreparo de Bolsonaro não importa,
por que estará pilotado por Paulo Guedes, começam afinal a perceber o flagrante
despropósito de tal racionalização.
Portal O Globo