O PSOL e o PT diante de
Ortega
O filósofo Guilherme
Boulos, um lulista próximo do PT, tornou-se o candidato presidencial do PSOL. A
filósofa Márcia Tiburi deixou o PSOL e tornou-se candidata do PT ao governo do
Rio. As portas giratórias da filosofia borram a fronteira entre a extrema-esquerda
e a esquerda. Haverá, ainda, alguma diferença de fundo entre os dois partidos?
Daniel Ortega indica que sim: enquanto o PT declarava seu apoio à repressão na
Nicarágua, o PSOL a condenava. A diferença, porém, não é o que parece — como
indica Nicolás Maduro.
A Venezuela aboliu as
prerrogativas da maioria parlamentar oposicionista eleita em 2005. O regime
chavista cassou os direitos políticos dos líderes da oposição e encarcerou
centenas de oposicionistas. Apesar de tudo, em notas oficiais, PT e PSOL ofereceram
solidariedade incondicional a Maduro. Por que, tal como o PT, o PSOL perfila-se
à ditadura venezuelana, mas repudia as violências cometidas pelo governo
nicaraguense?
Sociologicamente, o PSOL é
diferente do PT. O partido de Lula nasceu do movimento dos trabalhadores do
ABC. Já o PSOL, dissidência do PT, organizou-se como condomínio de facções
esquerdistas. O PT estabeleceu-se como grande partido parlamentar e lançou
extensas redes na direção do alto funcionalismo público e do empresariado. O
PSOL, em contraste, segue circunscrito à periferia do sistema político. Não por
acaso, seu candidato ao Planalto é um forasteiro, recém-filiado, que acalenta o
projeto de criar um novo partido, nos moldes do espanhol Podemos. Entretanto,
na esfera do discurso político, PSOL e PT rezam pela mesma Bíblia — ou quase.
No plano internacional, a
“pátria ideológica” do PT é a Cuba castrista. Nem sempre foi assim. Na década
de 1980, a revista teórica petista qualificou o regime castrista como uma
imperdoável ditadura. Tudo mudou em 1990, quando Lula e Fidel Castro criaram
juntos o Foro de São Paulo. O Foro, articulação de partidos da esquerda
latino-americana, foi inventado para servir como escudo diplomático do regime
dos Castro, que cambaleava sob o golpe da queda do Muro de Berlim. Dali em diante
o PT sujeitou-se ao “controle externo” cubano em todos os temas essenciais para
o castrismo.
Há pouco, diante do Foro
reunido em Cuba, Dilma Rousseff e Mônica Valente, secretária de Relações
Internacionais do PT, caracterizaram as manifestações populares na Nicarágua
como parte de “uma contraofensiva neoliberal, imperialista”. Maduro, Ortega,
pouco importa o nome: o partido de Lula não faz distinções entre governos
alinhados com Cuba. O PT age como um partido comunista das antigas — só que, no
lugar de Moscou, seu coração mora em Havana.
A candidata petista Marcia
Tiburi cultiva o hábito de denunciar o “exercício de poder sobre o corpo” mas
não se comove com os “exercícios de poder” dos regimes de Maduro ou de Ortega
contra os “corpos” de manifestantes desarmados. O PSOL, ao contrário, distingue
nitidamente um cassetete do outro. “Há muito tempo a gente não via na América
Latina um governo com esse nível de repressão”, clamou Israel Dutra, secretário
de Relações Internacionais do partido, comparando Ortega ao sírio Bashar
al-Assad. É que, para o PSOL, só regimes “revolucionários” têm o privilégio de
violar as liberdades públicas.
A Venezuela destruiu sua
economia em nome do socialismo. Por isso, segundo o PSOL, o cassetete chavista
é virtuoso. Ortega, por outro lado, segue fielmente a cartilha do FMI. Na
Nicarágua, a esquerda cindida com o sandinismo participa ativamente da onda de
protestos contra o governo. Por isso, segundo o PSOL, o cassetete sandinista é
vicioso.
“Mora na filosofia/ Pra
que rimar amor e dor”. PT e PSOL são igualmente coerentes, mas orientam-se por
bússolas distintas. O PT, partido pragmático, curva-se aos interesses
geopolíticos de Cuba. O PSOL, partido ideológico, curva-se a seus próprios
delírios revolucionários. No fim, porém, os dois são galhos da mesma árvore
filosófica. Para ambos, democracia e direitos humanos não passam de utensílios
descartáveis: copinhos plásticos de festas infantis.
Portal O Globo, em
30/08/2018