Lula no mata-mata
Eliane Cantanhêde
Com a chegada do recesso
do Judiciário, bateu o desespero no ex-presidente Lula e nos seus advogados,
que saíram em desabalada carreira para entupir o Supremo de recursos, tentando
atropelar o plenário e até o sorteio eletrônico (!) para escolher não só a
turma, mas o próprio relator desses recursos. Esse serve, esse não serve... Uma
audácia incrível, no vale tudo para Lula trocar a prisão em Curitiba pela
campanha à Presidência.
Nessa corrida, com chute,
cotovelada e empurrão, os advogados Sepúlveda Pertence e Cristiano Zanin
disputam homem a homem quem apresenta seus recursos primeiro e, no fundo, quem
cai mais nas graças do cliente famoso. Sepúlveda tem mais credenciais, como ex-presidente
e grande referência no Supremo. Zanin, bastante esforçado, foi escolhido por
ser genro de um dos maiores benfeitores de Lula, Roberto Teixeira.
Assim, Pertence, mais
experiente, mais pé no chão, trabalha com a prisão domiciliar de Lula como lance
na negociação com o Supremo. Mas o próprio Lula, a cúpula do PT e Zanin
aderiram ao tudo ou nada, têm uma posição menos jurídica e mais política e não
admitem um milímetro a menos do que a anulação da condenação do juiz Sérgio
Moro e do TRF-4, com a conversão do réu em vítima. Por isso, a defesa acabou
apresentando dois recursos conflitantes.
O primeiro foi para anular
a condenação e todos os seus efeitos: a prisão e a inelegibilidade. O segundo,
num evidente recuo, para anular apenas a prisão e deixar a questão da
inelegibilidade para lá. Por que? Porque o PT pretende registrar a candidatura
Lula até 15 de agosto e a partir daí guerrear contra a impugnação na Justiça
Eleitoral, mas, se o STF confirmar a inelegibilidade antes, nada feito, a
guerra já estará perdida. O STF tem sempre a última palavra.
Enquanto rola solto o
confronto de egos e estratégias entre os advogados de Lula, mais o Supremo vai
se organizando em três grupos. O dos que gritam pelo fim da prisão em segunda
instância e, até lá, soltam todo mundo e abrem caminho para soltar Lula também.
O dos que não soltam ninguém, não admitem votar pela quarta vez a prisão em
segunda instância e não parecem dispostos a salvar Lula. E um terceiro que
serve de pêndulo.
Assim, foram eleitos os
“amigos” de Lula, os “inimigos” e as “incógnitas”. Entre os amigos, Dias
Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. Entre os
inimigos, Cármen Lúcia – que vai chegando ao fim de sua presidência sem por em
pauta a revisão da prisão após a segunda instância – e Edson Fachin, o “petista
roxo” que bate de frente o tempo todo com os lulistas (desde sempre ou de
ocasião) na Segunda Turma. Entre as incógnitas, Celso de Melo e Rosa Weber, que
guardam seus votos para... a hora do voto.
E, assim, chegamos a julho
com Cármen Lúcia no olho do furacão. Ela distribuiu a pauta de agosto sem os
recursos de Lula, mas assume poderes monocráticos durante o recesso e pode
decidir a qualquer momento levar esses recursos ao plenário na primeira
quinzena de agosto. Uma responsabilidade monumental, porque impacta a Lava
Jato, a autoestima do brasileiro, a percepção internacional sobre o combate à
corrupção no Brasil, a eleição presidencial e, sem exagero, o rumo da história.
O Brasil está parado, com
a respiração suspensa, não só pela disputa do hexa na Rússia, mas também pela
indefinição de uma eleição que praticamente congelou. O líder nas pesquisas é
uma ficção, o segundo é um perigo, os demais não vão nem para a frente nem para
trás. Passada a Copa e decidido finalmente o destino de Lula (e, com ele, o da
Lava Jato e da Ficha Limpa...), os advogados vão parar de correr e a eleição
vai enfim andar. Na verdade, enfim começar.
Publicado no portal do
Jornal Estado de São Paulo em 01/07/2018