A eleição de Jair
Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República representará um experimento
inédito para o país desde a redemocratização. Pela primeira vez, a pauta
liberal em economia chega ao poder com amplo respaldo popular. Trata-se de um
feito notável, já que alguns poucos anos atrás a plataforma da redução do
Estado seria sinônimo de suicídio eleitoral – quem não se lembra do tucano
Geraldo Alckmin, em 2006, vestindo uma jaqueta cheia de logotipos de estatais,
enquanto prometia não privatizar nada caso fosse eleito para a Presidência da
República?
O estatismo, a ideia do
Estado provedor, tem uma longa história no Brasil, que vem desde o império,
mas, nas últimas décadas, atingiu seu ápice com Getúlio Vargas, na ditadura
militar e nos governos petistas. Mais recentemente, o país viu alguns espasmos
de liberalismo: na abertura econômica de Fernando Collor, apesar de seus
desastrosos choques heterodoxos no combate à inflação; nas privatizações de
Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, com sua ênfase na responsabilidade
fiscal e na criação de superávits primários; nos programas de concessão
tardiamente adotados pelo governo Dilma Rousseff, e que mesmo assim não se
libertaram da obsessão pela participação estatal na infraestrutura."
"Mas nada disso
representava a concretização de um amplo programa baseado nas ideias liberais.
O que mais perto chegou disso nos últimos anos foi a “Ponte para o Futuro”,
lançada pelo PMDB do então vice-presidente Michel Temer no fim de 2015, quando
o país começava a discutir a possibilidade de impeachment de Dilma devido às
pedaladas fiscais. O documento trazia uma série de diagnósticos acertados sobre
a necessidade da austeridade fiscal, da maior inserção no comércio
internacional e de reformas estruturantes, sem medo de propor medidas vistas
como impopulares, como privatizações.
Quando Temer chegou ao
poder, no entanto, a ponte não aguentou os testes de estresse. Havia baixo
respaldo popular, já que o povo, iludido pelo estelionato eleitoral petista,
havia escolhido um outro programa. Após alguns primeiros sucessos, como a
aprovação do teto de gastos, as acusações motivadas pela delação de Joesley
Batista direcionaram todo o foco do governo para sua própria sobrevivência –
chega a ser notável que a reforma trabalhista tenha sido aprovada no meio do furacão.
Por fim, o desfecho da greve dos caminhoneiros foi a volta do intervencionismo
estatal na política de preços de combustíveis, ainda que não com o mesmo ímpeto
dos tempos de Dilma. Temer conseguiu levar adiante uma série de concessões e
implantou medidas desburocratizantes, mas o saldo final de seu governo ficou
muito aquém das expectativas que a “Ponte para o Futuro” prometia.
Bolsonaro chega com um
cenário um tanto diferente, a começar pelo apoio de quase 58 milhões de
eleitores. Ainda que, para muitos brasileiros, a plataforma econômica elaborada
pelo economista Paulo Guedes não seja o principal fator que tenha impulsionado
o voto no candidato do PSL, não se pode dizer que Bolsonaro escondeu essas
ideias: a população sabia bem no que estava votando, mesmo que em alguns temas
não houvesse propostas muito concretas. Além disso, o presidente eleito já está
costurando sua base no Congresso Nacional e conta com o apoio de várias
bancadas temáticas; se ele não tiver de fazer concessões no mesmo nível de Michel
Temer, terá mais chance de emplacar o ideário liberal.
"Isso não significa,
no entanto, que a resistência estará enfraquecida. E nem falamos aqui da
oposição política de esquerda no Congresso, mas de outras forças, que incluem
até mesmo apoiadores de primeira hora de Bolsonaro. O funcionalismo público,
que também tem uma representação parlamentar forte, fará o que for possível
para barrar medidas que cortem ou reduzam seus privilégios. Alguns ramos do
setor produtivo lutarão contra o fim de renúncias fiscais e a abertura
comercial – antes mesmo do segundo turno, presidentes de associações setoriais
já tinham se encontrado com Bolsonaro para fazer críticas ao plano de Paulo
Guedes. Políticos que enxergam estatais como ferramentas de barganha política,
trocando apoio pelo poder de nomear e demitir à vontade diretores e gerentes,
não aceitarão a privatização do que consideram seus feudos particulares.
O Brasil não pode
continuar amarrado pela cultura estatista, pela hiper-regulamentação, pelos
privilégios que criam desigualdade e acabam com a competição, pelo protecionismo
exacerbado que faz do Brasil um dos países mais fechados do planeta, pela
irresponsabilidade fiscal. Os países mais prósperos são aqueles em que vigora
ampla liberdade econômica e que se abrem para o mundo sem medo da concorrência.
O Brasil tem uma chance única de deixar para trás práticas que nos mantêm no
subdesenvolvimento; a batalha será feroz, mas esperamos que o novo governo seja
capaz de vencê-la.
Gazeta do Povo
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