Além do descaso com as
finanças públicas e da indiferença com a situação dos mais de 12 milhões de
desempregados no País, o aumento de 16,38% do salário dos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), aprovado pelo Congresso na quarta-feira passada,
fere a Constituição. Há, assim, um motivo técnico cristalino para que o
presidente Michel Temer vete o imoral reajuste - os atos do Poder Legislativo
devem se submeter aos mandamentos constitucionais.
O art. 169 da Constituição
estabelece que “a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos
em lei complementar”. E o § 1.º do mesmo artigo assegura que a concessão de
qualquer vantagem ou aumento de remuneração pelos órgãos da administração
direta ou indireta só poderá ser feita se houver prévia dotação orçamentária
suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos
dela decorrentes e se houver autorização específica na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO), ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de
economia mista.
A Lei de Diretrizes
Orçamentárias de 2019 não contém nenhuma autorização para o aumento do subsídio
dos ministros do STF. Vale lembrar que o reajuste aprovado na quarta-feira
passada pelo Congresso altera a remuneração de todos os juízes do País - e isso
também não está previsto na LDO de 2019.
Como se não bastasse, o
parecer apresentado no Senado sobre o projeto de lei que concedeu o reajuste de
16,38%, de autoria do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), também não comprova
que o tal aumento respeita o teto de gastos criado pela Emenda Constitucional
(EC) 95/2016. Nos estudos constantes do relatório não há nenhuma avaliação
sobre o impacto do reajuste no Orçamento de 2019 e dos anos seguintes. O que há
são estudos antigos, anteriores à própria EC 95/2016.
Ignorar essa evidente
inconstitucionalidade contida no aumento do salário dos ministros do STF seria
dar azo a uma ignóbil contradição. O cidadão sustenta, por meio dos impostos, a
Suprema Corte. Trata-se de um gasto significativo para que a Constituição seja
defendida. Como se sabe, a primordial tarefa do STF é ser o guardião da
Constituição. Ora, esse aumento inconstitucional faz com que a própria
manutenção do Supremo desrespeite o previsto na Constituição. Não faz nenhum
sentido que o cidadão seja obrigado a sustentar de forma ainda mais onerosa um
Supremo por força de um reajuste salarial dos ministros concedido à revelia da
Constituição.
Professor de Direito
Constitucional, o presidente Michel Temer conhece a importância da estrita
obediência aos mandamentos da Constituição. Não cabem subterfúgios para burlar
parte do texto constitucional, muito especialmente se o tema se refere ao
próprio STF, que deve ser modelo irrepreensível de cumprimento da Carta Magna.
Sempre, mas de forma
especial nos tempos em que vivemos, o País necessita de um Supremo vigoroso,
que cumpra com denodo seu papel de guardião da Constituição. Por isso, é
imprescindível preservar a autoridade do STF. Não se pode permitir que os
ministros que têm por missão avaliar a constitucionalidade das leis, com
impacto sobre toda a população, recebam soldos concedidos à revelia da Carta.
O aumento concedido pelo
Congresso foi um descaso com a coisa pública, especialmente pelas
circunstâncias envolvidas, nesse final de legislatura. A votação de quarta-feira
passada mais pareceu uma desforra após as eleições, como se o final de mandato
permitisse um novo grau de deboche com as contas públicas e a crise econômica e
social que o País atravessa. É especialmente triste essa situação, que viola o
sentido de representação popular existente no mandato parlamentar, precisamente
por deixar o cidadão indefeso. Ele já foi às urnas e, de imediato, nada poderá
fazer contra o parlamentar que votou contra o interesse público.
No entanto, o que se tem
aqui é mais do que mero desrespeito aos interesses do cidadão. Há uma
desobediência à Constituição, o que, num Estado Democrático de Direito, é
inadmissível. Que o aumento receba o devido veto presidencial - e a
Constituição seja cumprida.
Portal Estadão
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