quinta-feira, 8 de novembro de 2018

➤Barganha às claras

Após aumento, STF vai discutir auxílio-moradia

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, nem se deu ao trabalho de disfarçar a barganha: o Tribunal só pautaria o julgamento do auxílio-moradia para juízes – questão que se arrasta há quatro anos na Corte – depois de garantir o aumento salarial.

O aumento foi garantido nesta quarta-feira (7), com a aprovação pelo Senado do reajuste de 16,38% aos ministros do Supremo, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados ainda em 2016. O presidente Michel Temer pode vetar a lei? Até pode, mas pelo jeito esse risco não existe. Foi tudo muito bem negociado nos últimos meses.

Ficamos, então, no aguardo do julgamento do auxílio-moradia. Toffoli ficou de conversar com o colega de Supremo Luiz Fux, “dono” do caso desde 2014, para encaminhar a questão.

É preciso deixar claro que o julgamento não vai, necessariamente, acabar com o auxílio-moradia. Os 11 ministros podem decidir por mantê-lo. Ou encontrar um meio-termo.

É preciso deixar claro, também, que a decisão que o Congresso tomou nesta quarta não representa apenas um aumento aos ministros da Corte. O vencimento deles – antes de R$ 33.763, agora de R$ 39.293 – serve de teto para todo o funcionalismo. Assim, milhares de juízes, promotores e servidores Brasil afora terão seus salários elevados na sequência.

O custo anual desse aumento para o contribuinte brasileiro, segundo estimativa das consultorias de Orçamento do Congresso, será próximo de R$ 4 bilhões, dos quais R$ 1,4 bilhão na esfera federal, que fecha as contas no vermelho desde 2014. Serão R$ 717 milhões no Judiciário, R$ 258 milhões no Ministério Público da União e R$ 400 milhões no Executivo, onde gente que tinha o salário reduzido pelo chamado “abate-teto” deixa de ser afetado por essa trava.

Os governos regionais, muitos em situação bem mais delicada que a União – até porque não podem emitir títulos de dívida nem imprimir dinheiro –, terão de suportar um gasto extra estimado em R$ 2,6 bilhões por ano.

Justiça seja feita ao presidente do Supremo. Pode-se concordar ou não com a moeda de troca, mas ele ao menos foi transparente. Já em setembro, logo que assumiu o cargo, ele avisou que pautaria o julgamento sobre o auxílio-moradia assim que a “revisão” salarial fosse aprovada. Articulou à luz do dia nos últimos meses. Nesta quarta, repetiu a promessa. Foi até citado em plenário pelo relator do projeto do reajuste, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), segundo o qual Toffoli se comprometeu a acabar com o auxílio.

Terminada a votação, o presidente do STF fez um agradecimento público ao Congresso, em nome de todo o Poder Judiciário, “principalmente porque agora poderemos enfrentar o problema do auxílio-moradia”.

Ao chamar o auxílio-moradia de problema, aparentemente ele concorda com a opinião de qualquer pessoa sensata: não faz sentido que juízes muito bem remunerados recebam tal benefício indiscriminadamente, mesmo que morem e eventualmente tenham vários imóveis na cidade onde trabalham.

Ainda mais um auxílio de R$ 4,3 mil, quase o dobro do rendimento médio dos brasileiros (R$ 2,2 mil, segundo o IBGE) e mais de quatro vezes o salário mínimo (R$ 954). Cálculos do jornalista Lúcio Vaz, feitos com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam que o gasto com a benesse – que não é sujeita ao teto do funcionalismo – para cerca de 17 mil magistrados chega a R$ 920 milhões por ano.

E por que esperar o reajuste para então enfrentar um problema desse tamanho? Porque, para muitos magistrados, o pagamento do auxílio servia para compensar a defasagem salarial após alguns anos sem aumento de salário. Até Sergio Moro, futuro ministro da Justiça, já disse isso com todas as letras.

Não é sempre que se vê os homens da lei justificarem um erro com outro. Pelo menos não assim, abertamente.

Justiça seja feita, de novo, a Toffoli, e também a Moro: não foram eles que começaram. O pedido para a concessão indiscriminada de auxílio veio de associações que representam a corporação. Lá em 2014, ao receber as demandas, o ministro Fux liberou primeiro o pagamento aos juízes federais, e depois a membros da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e para magistrados de nove estados, independentemente de regulação do CNJ. Os demais estados já pagavam o benefício. Fux alegou que o auxílio era previsto pela Lei Orgânica da Magistratura, a Loman.

(Mera curiosidade: desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro desde 2016, Marianna Fux, filha do ministro do Supremo, recebe o auxílio-moradia mesmo sendo dona de dois apartamentos no Leblon, onde o metro quadrado custa R$ 21 mil.)

As decisões de Fux são liminares e ainda precisam ser submetidas ao Plenário do Supremo. Ele chegou a liberá-las para tal mas, em março deste ano, retirou-as da pauta a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que solicitou uma mesa de conciliação com a Advocacia-Geral da União (AGU) para discutir o benefício.

Como o diálogo durou três meses e não chegou a lugar algum, cabe a Fux, novamente, encaminhar a questão ao colegiado. O contribuinte aguarda com ansiedade.

Fernando Jasper
Jornalista  da editoria República da Gazeta do Povo

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