O desejo popular de
renovação da política nacional encontrou no resultado das eleições de domingo
passado uma inequívoca expressão. Nada menos que metade da Câmara e 85% do
Senado serão de novatos na política ou de políticos que estavam fora e
voltaram. Tal desfecho terá enormes consequências e trará muitos desafios para
o próximo governo, seja qual for o presidente eleito no segundo turno.
Nem sempre o que se
apresenta como “novo” é necessariamente benéfico para o País. O Congresso que
emerge das urnas será muito mais fragmentado do que o atual, em pelo menos dois
sentidos: o número de partidos subirá de 25 para 30 na Câmara e de 17 para 21
no Senado; e vários dos eleitos se consideram dispensados de seguir as diretrizes
dos partidos pelos quais competiram.
Logo, qualquer negociação
política será muito mais trabalhosa, porque não bastará acertar-se com os
partidos tradicionais para deles obter o voto homogêneo de suas bancadas, em
número suficiente para aprovar os projetos de interesse do governo, pois essas
legendas perderam muito de sua força. A partir da próxima legislatura, será
preciso dialogar com um enxame de parlamentares com interesses muitas vezes
distintos dos seus líderes, especialmente dentro dos muitos partidos de escassa
representatividade. É preciso lembrar que vários deles conseguiram se eleger a
despeito da falta de recursos, direcionados majoritariamente pelos partidos aos
medalhões que esperavam se reeleger, mas ficaram pelo caminho. Isso indica que
esses novatos podem se sentir fortalecidos para alçar voo autônomo.
Agora mesmo, enquanto
alguns dirigentes partidários definiram neutralidade de suas legendas no
segundo turno presidencial, vários integrantes desses partidos decidiram apoiar
este ou aquele candidato por conta própria. Mantido esse padrão, nenhum acordo
com as lideranças partidárias será garantia de nada no futuro Congresso. É um
mau começo.
A forma de organização
política mais sólida e coesa tem sido a das bancadas temáticas, que em geral
defendem pautas corporativas. A despeito da renovação, as frentes parlamentares
do agronegócio, dos evangélicos e da segurança pública, base do sucesso do
candidato Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno, devem se manter e se
fortalecer. Também os funcionários públicos estarão, como sempre, com presença
consistente. Esses grupos podem garantir a governabilidade ou construir sólida
oposição ao próximo governo, a depender de quem vença a eleição e qual seja sua
agenda. Em um caso ou em outro, é improvável que as corporações bem
representadas no Congresso facilitem a aprovação das inadiáveis reformas, mesmo
as mais tímidas, o que prenuncia difíceis negociações para o presidente eleito
- especialmente considerando-se que nenhum dos dois contendores do segundo turno
tem experiência nesse tipo de articulação.
Nesse cenário, não se pode
tomar o que é dito no calor da campanha como fato consumado - nem Jair
Bolsonaro conseguirá cumprir a promessa de governar sem se submeter a alguma
forma de acordo com outros partidos nem o preposto do presidiário Lula da Silva
manterá a pureza de sua coligação à esquerda. Nos dois casos, será praticamente
impossível pautar o Congresso sem apoio, por exemplo, do famigerado “centrão” -
que, malgrado suas consideráveis perdas nas urnas, ainda terá uma bancada de
quase 180 deputados.
Junte-se a isso o fato de
que já no início da próxima legislatura haverá 32 deputados federais sem
partido, que poderão alterar a distribuição de forças no Congresso a depender
das legendas às quais resolvam aderir. Esses parlamentares eleitos terão essa mobilidade
porque venceram a eleição por partidos que não conseguiram superar a chamada
cláusula de desempenho - que atingiu 14 siglas. Pela legislação, políticos
nessa situação podem trocar de legenda sem perder o mandato.
Ou seja, o Congresso
formado pela ânsia de renovação, na esteira dos escândalos de corrupção e do
descrédito da política, é totalmente imprevisível - e isso apenas reforça a
necessidade de um amplo compromisso nacional pela governabilidade.
Portal Estadão
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