Às vésperas do segundo
turno presidencial, uma parcela significativa de brasileiros, avessa à
inevitável ascensão de Jair Bolsonaro ao Planalto, permanece incrédula e
histérica, incapaz de compreender e assimilar o processo consolidado nas urnas
eletrônicas. Desvelar tal fenômeno, todavia, demanda um passo atrás, com
cautela e frieza.
O voto brasileiro é
multifacetado. Ideologia é apenas uma pequena face desses prismas. Há hoje um
movimento que delineia majoritariamente as decisões de urna: o pragmatismo. Nesse
primeiro turno, o eleitor maioritário, flagelado pelas intermináveis crises
desta república, demandou respostas objetivas para as dolorosas problemáticas
de seu cotidiano. Houve um evidente clamor por uma prática política voltada ao
essencial, ao básico. Por soluções práticas e enérgicas, que pudessem ser
efetivadas de imediato. Que fosse prioridade o famoso “arroz e feijão”.
Pouco importa ao morador
de periferia, por exemplo, as causas históricas e sociais que levaram à falta
de merenda na escola de seu filho e o roubo de sua bicicleta. Para ele, importa
mesmo é a resolução rápida do problema e, talvez, a prisão dos responsáveis.
Afinal, sana-se fome com comida. É esta a chave-mestra do exercício político:
compreender o que assola, incomoda e aflige o eleitor; na medida em que se
constrói um discurso propositivo alicerçado em tais percepções. De nada adianta
para o trabalhador e seu filho o discurso de que são vítimas de um processo
abolicionista que os lançou à própria sorte, enquanto o prato na mesa continua
vazio.
Em outro exemplo, a
trabalhadora do centro de São Paulo demanda segurança para que não seja
novamente assaltada em seu percurso de volta. Seu já abarrotado e incômodo
regresso. Seus filhos com os avós, sem creche. Exausta, sem ajuda e com pouco
dinheiro: como esperar desta trabalhadora escolhas eleitorais diferentes
daquelas que prometem um mínimo de auxílio em seu estafante cotidiano? Nesta
situação, qual a permeabilidade de um discurso subjetivo (democracia, machismo,
opressão etc.)? Nenhuma. O brasileiro médio preocupa-se em pagar contas, criar,
sustentar e educar seus filhos, além de sanar suas necessidades básicas. Aquela
mãe, então, escolherá como representante aquele que promete, de alguma forma,
propiciar um mínimo a mais de conforto e segurança.
Jair Bolsonaro, há algum
tempo, condensa diversas e fundamentais características para a construção de
uma empatia política em âmbito nacional, na qual estabelece um diálogo pragmático
e assimilável à massa eleitoral do país. Embora carregue densas
ideias/perspectivas e seja dono de uma retórica lamentável, Bolsonaro
inteligentemente utilizou-a para fortificar a empatia com seu eleitorado, além
de transformá-la em uma ferramenta de didatização de ideias complexas e, muitas
vezes, incompreensíveis ao brasileiro médio.
Assim, pouco interessa ao
eleitor as típicas polemizações do processo. Os 45 milhões que votaram em Jair
Bolsonaro fizeram-no sob uma perspectiva essencialmente objetiva. O homem, de
acordo com a narrativa, de discurso e conduta firmes, não corrupto, determinado
e com força para fazer o que precisa ser feito. Vale ainda retomar a
subjetividade do voto: muitos que viram Ciro Gomes sob o mesmo prisma não
encontrarão candidato similar no mesmo espectro ideológico. Ao contrário,
Fernando Haddad é dono de uma fala cadenciada, vocabulário sofisticado,
discurso polido, pós-moderno, e que em momento algum transmite a energia e a
coragem do tal “cabra macho” ansiado pelo eleitor. São características
antagônicas àquelas indispensáveis para a formatação imagética de uma liderança
política, principalmente presidencial.
*Cientista político e
professor de Humanidades
Gazeta do Povo (PR)
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