quinta-feira, 18 de outubro de 2018

➤Marcos Paulo Candeloro*

O assombro Bolsonaro


Às vésperas do segundo turno presidencial, uma parcela significativa de brasileiros, avessa à inevitável ascensão de Jair Bolsonaro ao Planalto, permanece incrédula e histérica, incapaz de compreender e assimilar o processo consolidado nas urnas eletrônicas. Desvelar tal fenômeno, todavia, demanda um passo atrás, com cautela e frieza.

O voto brasileiro é multifacetado. Ideologia é apenas uma pequena face desses prismas. Há hoje um movimento que delineia majoritariamente as decisões de urna: o pragmatismo. Nesse primeiro turno, o eleitor maioritário, flagelado pelas intermináveis crises desta república, demandou respostas objetivas para as dolorosas problemáticas de seu cotidiano. Houve um evidente clamor por uma prática política voltada ao essencial, ao básico. Por soluções práticas e enérgicas, que pudessem ser efetivadas de imediato. Que fosse prioridade o famoso “arroz e feijão”.

Pouco importa ao morador de periferia, por exemplo, as causas históricas e sociais que levaram à falta de merenda na escola de seu filho e o roubo de sua bicicleta. Para ele, importa mesmo é a resolução rápida do problema e, talvez, a prisão dos responsáveis. Afinal, sana-se fome com comida. É esta a chave-mestra do exercício político: compreender o que assola, incomoda e aflige o eleitor; na medida em que se constrói um discurso propositivo alicerçado em tais percepções. De nada adianta para o trabalhador e seu filho o discurso de que são vítimas de um processo abolicionista que os lançou à própria sorte, enquanto o prato na mesa continua vazio.

Em outro exemplo, a trabalhadora do centro de São Paulo demanda segurança para que não seja novamente assaltada em seu percurso de volta. Seu já abarrotado e incômodo regresso. Seus filhos com os avós, sem creche. Exausta, sem ajuda e com pouco dinheiro: como esperar desta trabalhadora escolhas eleitorais diferentes daquelas que prometem um mínimo de auxílio em seu estafante cotidiano? Nesta situação, qual a permeabilidade de um discurso subjetivo (democracia, machismo, opressão etc.)? Nenhuma. O brasileiro médio preocupa-se em pagar contas, criar, sustentar e educar seus filhos, além de sanar suas necessidades básicas. Aquela mãe, então, escolherá como representante aquele que promete, de alguma forma, propiciar um mínimo a mais de conforto e segurança.

Jair Bolsonaro, há algum tempo, condensa diversas e fundamentais características para a construção de uma empatia política em âmbito nacional, na qual estabelece um diálogo pragmático e assimilável à massa eleitoral do país. Embora carregue densas ideias/perspectivas e seja dono de uma retórica lamentável, Bolsonaro inteligentemente utilizou-a para fortificar a empatia com seu eleitorado, além de transformá-la em uma ferramenta de didatização de ideias complexas e, muitas vezes, incompreensíveis ao brasileiro médio.

Assim, pouco interessa ao eleitor as típicas polemizações do processo. Os 45 milhões que votaram em Jair Bolsonaro fizeram-no sob uma perspectiva essencialmente objetiva. O homem, de acordo com a narrativa, de discurso e conduta firmes, não corrupto, determinado e com força para fazer o que precisa ser feito. Vale ainda retomar a subjetividade do voto: muitos que viram Ciro Gomes sob o mesmo prisma não encontrarão candidato similar no mesmo espectro ideológico. Ao contrário, Fernando Haddad é dono de uma fala cadenciada, vocabulário sofisticado, discurso polido, pós-moderno, e que em momento algum transmite a energia e a coragem do tal “cabra macho” ansiado pelo eleitor. São características antagônicas àquelas indispensáveis para a formatação imagética de uma liderança política, principalmente presidencial.

*Cientista político e professor de Humanidades

Gazeta do Povo (PR)

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