Eleições podem ser ensejo
para a multiplicação de ilusões com o objetivo de seduzir o eleitor. Não se
trata necessariamente de apelar para mentiras ou fraudes, embora isso também
aconteça; o que tem marcado as campanhas é o reducionismo marqueteiro, que
transforma grandes temas em slogans de fácil digestão. Ganha mais votos aquele
cuja lábia convence o eleitor de que é capaz de trazer a felicidade pelo menor
custo. O atual momento brasileiro, no entanto, mais do que qualquer outro da
história recente, exige que o eleitor saiba exatamente o que lhe estará
reservado no futuro próximo caso não sejam tomadas imediatamente medidas de
austeridade para tirar o Brasil da beira do abismo. E isso, infelizmente, não
está acontecendo - há, pelo contrário, um “enorme grau de incompreensão” da
população sobre o “curso absolutamente insustentável” em que o País se
encontra, como alertou recentemente o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.
Tendo sido um dos
principais responsáveis pela implantação do Plano Real, Malan tem autoridade
para falar sobre o quão duro é um processo de estabilização de uma economia em
frangalhos. Esse processo demanda, antes de tudo, a colaboração consciente do
conjunto da sociedade. O Plano Real funcionou porque, ao contrário dos planos
anteriores, não foi implantado de cima para baixo. Na prática, o Real foi uma
espécie de convite para que os cidadãos imaginassem a economia sem inflação,
com o restabelecimento do valor das coisas, sem a variação diária de preços. A
população, aos poucos, aderiu, porque se sentiu como parte da solução. Mas o
plano não foi bem-sucedido apenas por isso. Como preço a pagar pela sonhada
estabilidade, os brasileiros foram chamados a apoiar uma dura série de medidas,
que incluíram a renegociação das dívidas dos Estados, a venda de estatais, a
reestruturação do sistema bancário e o ajuste fiscal. Com a notória exceção do
PT, o Real foi amplamente aceito - o que significa que, se bem explicadas e
transparentes, as reformas necessárias para reequilibrar as contas nacionais
podem, sim, como sugere Malan, receber apoio dos eleitores.
Para que isso aconteça,
contudo, é necessário preservar a memória recente do País, impedindo que a
mistificação prevaleça sobre a realidade dos fatos. Por isso é muito oportuno
que respeitados protagonistas desse passado, como o ex-ministro Malan, venham a
público para ajudar a combater as desonestas tentativas de desmoralizar todo o
hercúleo trabalho que resultou no fim da chaga da inflação e na estabilização
da economia, condições sem as quais a festejada “justiça social” dos governos
lulopetistas não teria sido possível.
O recém-lançado livro Uma
Certa Ideia de Brasil: Entre Passado e Futuro, que reúne artigos de Malan
publicados no Estado entre 2003 e 2018, tendo como eixo, portanto, a desastrosa
passagem do PT pela Presidência, presta-se a essa imperiosa tarefa de denunciar
o logro da propaganda petista - que trata o eleitor como passivo freguês do
mercador de ilusões Lula da Silva - e de convidar os brasileiros a ter
“consciência social do passado”.
Para Malan, o próximo
presidente tem de ter “consciência do que foram os últimos 15 anos, porque
(governar com essa herança) será o maior desafio de sua vida dada a situação do
País”. Como lembrou o ex-ministro, a campanha eleitoral é a parte menos penosa
dessa experiência, porque “disputar a eleição e eventualmente ganhá-la é uma
coisa”, mas “governar um país da complexidade do Brasil é algo muito mais
complicado” - especialmente quando o eleitor não é advertido previamente de que
terá de fazer muitos sacrifícios.
“Estamos num ponto de
inflexão, numa encruzilhada que é das mais importantes que tivemos na nossa
história recente”, disse Malan ao Estado, dando adequado tom grave ao atual
momento. Há quem acredite ser legítimo brincar com fogo, prometendo magicamente
fazer o Brasil ser “feliz de novo”, e há quem considere desnecessárias ou não
tão urgentes as reformas que se impõem. Como enfatiza o ex-ministro, saber como
se chegou à situação atual é o primeiro e indispensável passo para evitar que
esses charlatães triunfem neste momento tão crítico para o País.
Portal Estadão, em
28/08/2018
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