quinta-feira, 5 de julho de 2018

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Quem quer dar cartão vermelho ao STF?

Helena Chagas

Antonio Lucena - Ilustração/Reprodução
Alguns dirão, com certa razão, que a culpa é do próprio Supremo Tribunal Federal, que nos últimos tempos desceu do pedestal de árbitro e virou parte na disputa política. E não apenas uma parte: vários times de toga disputam a taça da insensatez, num jogo cheio de gols de mão, ofensas e rasteiras. O resultado disso pode ser institucionalmente muito perigoso: a cada dia tem mais gente querendo dar cartão vermelho ao Supremo.

Da proposta com cheiro de AI-2 de Jair Bolsonaro, que se for presidente vai querer criar mais dez vagas na Suprema Corte e preenchê-las, ao extremo oposto do espectro, onde o ex-presidente Lula critica, em carta, os atos de Edson Fachin e diz ter razões para não acreditar mais na Justiça, é muito grave o clima que vai se criando em torno do STF.

Do outro lado da rua, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aproveita o baixo astral para aprovar projeto proibindo ministros do Supremo de suspenderem a vigência de leis em decisões monocráticas, sem passar pelo plenário ou pelas turmas. O que se diz nos corredores quase vazios do Congresso é que, depois das eleições, virá mais, sob a capa de uma reforma do Judiciário, junto com medidas para aliviar a situação de acusados da Lava Jato.

Ao mesmo tempo, juízes e procuradores de primeira instância, cheios de seguidores nas redes, num desrespeito inédito, martelam diariamente comentários críticos e até ofensivos contra ministros do Supremo. O procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, diz no twitter que o ministro Dias Toffoli, ao dar habeas corpus a José Dirceu, soltou seu “ex-chefe”.

Divergir é normal. Nas democracias em que se exerce o equilíbrio entre os poderes, supremas cortes foram feitas mesmo para desagradar a gregos, troianos e goianos. É do jogo, desde que o órgão máximo do Judiciário mantenha a credibilidade de quem exerce seu poder acima e além de circunstâncias conjunturais e interesses políticos.

Talvez seja justamente isso – essa credibilidade – que a politização do Supremo esteja perigosamente começando a minar. Ainda que a atual radicalização não tenha nascido exatamente ali, e seja fruto de uma crise mais ampla da democracia representativa, que distancia cada vez mais representantes e representados e faz crescer o repúdio à política e suas instituições.

Ou alguém imaginou que, desmoralizado o Legislativo entre múltiplas práticas de corrupção, e enfraquecido o Executivo com o impeachment de uma presidente por “pedaladas fiscais”, e sua substituição por um vice atolado em acusações, iria ficar tudo bem?

O Judiciário, antes apontado como salvador da pátria, mas na verdade cheio de mazelas como os outros, faz parte desse sistema. Era uma questão de tempo que se tornasse também um poder sob ataque, de dentro e de fora. Quem pode estar prestes a receber cartão vermelho é a própria democracia.

Portal VEJA


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