Tiro n’água?*
Eliane Cantanhêde
Nada como passar uma semana em Portugal para concluir, de
uma vez por todas, que a violência no Brasil está totalmente fora do controle e
é necessário um choque de segurança envolvendo todos os Poderes e todas as
unidades da Federação. A distância, porém, a semi-intervenção no Rio de Janeiro
deixou mais dúvidas do que certezas.
Anda-se de dia, de noite e de madrugada pelas ruas de
Lisboa ou de qualquer cidade portuguesa tranquilamente, sem medo da primeira
pessoa que aparece, sem agarrar a bolsa e sem temer pela vida. Isso é tão
natural na rotina dos portugueses quanto extraordinário para nós, brasileiros.
Então, é assim que as pessoas vivem nos outros países? A gente até esquece.
No Brasil, os criminosos, grandes ou pés de chinelo,
organizados ou solitários, não apenas roubam dinheiro, joias, carteiras,
celulares. Eles roubam vidas. Vida de crianças dentro de escolas, no sofá de
suas casas, no parquinho do bairro. Vida de universitários com suas namoradas,
seus carros, suas bicicletas. Vida de adultos e idosos, não importa a classe
social. A vida não vale nada. Vale menos que um celular.
Qualquer bandido menor de idade no Rio anda com facas e
revólveres e os maiores bandidos têm armas de dar inveja na polícia. São fuzis
e até metralhadoras que entram pelas fronteiras, circulam de um Estado para
outro e caem nas mãos das quadrilhas. Os agentes do Estado ou jogam a toalha ou
são cooptados.
Logo, algo tem de ser feito, e algo de grande
envergadura, como em Nova York ou na Colômbia. Mas que raios é uma
semi-intervenção como a decretada pelo governo federal? Como intervir na
segurança e deixar o resto para lá? Como separar a crise da segurança da má
gestão, da corrupção, da corrosão das instituições?
E por que o Rio, ou só o Rio, se no Recife e Fortaleza,
por exemplo, é igual ou até pior? O Rio tem mais mídia no Brasil e repercute
mais no exterior? A vida de uma criança e de um adolescente é mais importante
no Rio do que no resto do País? Ou, enfim, as ações políticas no Rio têm mais
efeito de marketing? Como sabemos, marketing não faz milagres nem tem o poder
de mudar a realidade.
A grande suspeita é de que o presidente Michel Temer
tenha decidido intervir na segurança do Rio para escamotear a verdade nua e
crua de que não conseguiu os 308 votos da Câmara para aprovar o que restou da
reforma da Previdência. A intervenção não apenas desvia as atenções como tem o
efeito prático de suspender as votações no Congresso. Sem votações não há
derrotas, certo?
O mais dramaticamente irônico disso é que a crise do Rio
ilustra também a crise do sistema de Previdência. Como princípio universal,
segurança depende de policiais nas ruas, mas cadê os policiais do Rio? Se não
estão entre os mais de cem assassinados em 2017, estão em serviços burocráticos
ou aposentados.
Estima-se que mais de 90% dos policiais se aposentam
antes dos 50 anos de idade e, como são homens e mulheres com bom preparo
físico, tendem a viver longos anos além disso. Para cada policial em ação, a
sociedade paga quantos, e por quanto tempo, para não fazerem nada? O que fazer?
Chama-se o Exército! Num primeiro momento, tem efeito psicológico,
dissuasivo. Mas, se cair na rotina, deixa de ser extraordinário e passa a
ser natural – como a segurança em Portugal e a violência no Brasil.
Logo, o que o governo federal, o governo do Rio e todos
os poderes e instâncias envolvidos precisam é de urgência: é mostrar resultados
logo, capitalizar o impacto e mostrar para a população descrente que a situação
tem jeito. Se não, vai ser um tiro n’água. Nem reforma da Previdência, nem
controle da violência, só mais uma vitória do crime organizado.
*Publicado no Portal Estadão em 20/02/2018
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