Míriam Leitão
A definição do ministro Luís Roberto Barroso sobre o que
aconteceu no país é devastadora: “A corrupção no Brasil não foi um conjunto de
falhas individuais e pequenas fraquezas humanas. Ela é parte central de um
pacto oligárquico que foi celebrado entre boa parte da classe política, da classe
empresarial robusta e boa parte da burocracia estatal. Um pacto de saque ao
Estado brasileiro.”
O tempo estava fechado em Brasília quando fui ao STF, com
uma equipe da Globonews, entrevistar o ministro. Uma névoa mais cedo havia
encoberto o Congresso. O cenário cinzento só acentuava o quadro que ele pintou
sobre o drama da corrupção no Brasil. Os números da Transparência Internacional
mostram que a percepção do país sobre a corrupção aumentou muito desde a última
medição e há uma sensação de que o país está perdendo a luta:
— Não é uma luta banal, ela tem custos para quem se
dispõe a travá-la. Porém esse é o sentido da História. Quem está contra isso (o
combate à corrupção) está tentando aparar o vento com as mãos.
Para Barroso, será “ruim e trágico” se o STF decidir
rever sua posição a respeito da prisão após condenação em segunda instância:
— Pela primeira vez, a imensa quantidade de ricos
delinquentes que há no Brasil começou a evitar crimes e a colaborar com a Justiça.
Foi a coisa mais importante que já aconteceu para se punir os crimes do
colarinho branco.
Barroso pediu uma pesquisa no STJ. E a resposta foi que é
de menos de 1%, exatamente 0,62%, o índice de absolvição de pessoas condenadas
nas outras instâncias. Portanto, o que se tenta com os recursos aos tribunais
superiores não é mudar a decisão, o que é estatisticamente pouco provável, mas
sim adiar a sentença. Porque o julgamento em tribunal superior pode demorar uma
década:
— O enfrentamento da corrupção do Brasil atingiu setores
e pessoas que se sentiam imunes e impunes. O que estamos vendo é uma reação
oligárquica.
Mas ele acha que os políticos sob suspeita estão
divididos em dois grupos: os que não querem ser punidos pelos malfeitos, e os
que não querem ser honestos nem daqui pra frente. Perguntei sobre a
diferenciação entre a corrupção e o caixa dois, e ele disse que a diferença é
muito pequena:
— O grande problema não é para onde o dinheiro vai, mas
de onde o dinheiro vem.
O ministro nasceu em Vassouras, mas define o Rio como sua
cidade do coração. E seu gabinete é coberto de fotos sobre os mais variados
ângulos do Rio. Ele acredita que os moradores da cidade vivem um momento de
reversão de expectativas porque achavam há alguns anos que o Rio havia decolado.
Não quis falar muito sobre a intervenção em si, porque pode ter que julgar
alguma coisa sobre o assunto:
— Eu percebi que há uma demanda popular por isso, mas há
muitos riscos envolvidos e sobretudo o problema do Rio não é um problema que se
enfrente com uma bala de prata.
Ele disse que o Rio é prova cabal do “fiasco da política
de combate às drogas no Brasil”. O ministro votou a favor da descriminalização
da maconha e defende que é preciso se esforçar para esse caminho, que poderia,
na visão dele, tirar o poder econômico do tráfico.
Barroso foi voto vencido na decisão na qual o STF deixou
ao Congresso a punição do senador Aécio Neves, punição que acabou não
acontecendo. No julgamento, ficou seis a cinco em favor de que o Senado
decidisse o destino do senador mineiro:
— Cinco ministros do Supremo se dispuseram abertamente a
enfrentar esse tipo de corrupção. É mais do que jamais houve.
Na visão do ministro, o Brasil está num caminho virtuoso
apesar da péssima fotografia do momento:
— A fotografia é de um presidente que teve duas denúncias
de corrupção e obstrução de Justiça, um ex-presidente condenado, outro que já
foi denunciado criminalmente. Três presidentes da Câmara foram ou ainda estão
presos. Dois chefes da Casa Civil. Mais de um governador de estado foi ou ainda
está preso. A delação da Odebrecht envolveu 400 figuras políticas.
Mas ele acha que esforço contra à corrupção é uma etapa
de uma luta para melhorar o país, na qual em pouco mais de 30 anos a sociedade
venceu a ditadura, a hiperinflação, a pobreza extrema. Por isso, apesar do
cenário devastador, ele afirma que vê de forma positiva o que o Brasil tem
vivido.
*Publicado no Portal O Globo em 23/02/2018
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