Condições para crescer
Com inflação contida, contas externas em bom estado e
sinais de firme reativação dos negócios, o Brasil tem condições iniciais bem
favoráveis à reconstrução de sua economia, nos próximos anos, se nenhum grande
entrave for criado pela irresponsabilidade política. Esta é a mais importante
mensagem do novo Relatório de Inflação do Banco Central (BC), um
amplo panorama econômico divulgado a cada três meses. A inflação próxima de 3%
estimada para este ano resulta em parte de uma surpresa, a queda maior que a
prevista dos preços de alimentos. Mas os números projetados para os anos
seguintes, mesmo sem esse fator, continuam razoáveis. Os cenários apontam para
taxas próximas de 4%, vizinhas da meta oficial, até 2020, sem expectativa,
portanto, de novas pressões.
Já se especula, naturalmente, sobre uma nova redução da
meta, já baixada de 4,5% para 4,25% a partir de 2019, e sobre a condução da
política de juros. Mas toda elucubração sobre o assunto só tem algum sentido
prático se algumas condições forem consideradas. É preciso levar em conta
riscos econômicos, tanto internos como externos.
Do lado externo o cenário é favorável, neste momento, e
nenhum dado aponta para grandes perigos no curto e no médio prazos. A
recuperação da economia global segue em movimento sincronizado, como indicou
nos últimos dias um relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), e o previsível aperto das condições de financiamento, depois
de anos de políticas frouxas, vem sendo gradual e sem danos colaterais.
Do lado interno, sempre podem surgir, é claro, desastres
imprevistos, mas os grandes perigos são mesmo os de natureza política. No
relatório o assunto é mencionado, como sempre, em linguagem moderada, mas de
sentido inequívoco. O risco mais importante é o de uma “frustração das
expectativas sobre a continuidade das reformas e ajustes necessários”. Essa
frustração “pode afetar prêmios de risco e elevar a trajetória da inflação no
horizonte relevante para a política monetária”.
Essa advertência vem sendo repetida, quase como mantra,
em vários documentos do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão responsável
pelas decisões mais importantes do BC. A preocupação com o andamento dos
ajustes e reformas nem é mencionada na maior parte das análises coletadas no
mercado financeiro. Há quem fale até de um descolamento entre economia e
política, mas essa hipótese é um evidente exagero ou simplesmente um equívoco.
Os operadores do mercado continuam trabalhando com base
na hipótese, normalmente implícita, de manutenção da pauta de ajustes e
reformas. Quando o assunto é provocado, essa hipótese é reconhecida. A mesma
aposta prevaleceu durante a maior parte do tempo, desde a revelação, em maio,
do acordo de colaboração entre a Procuradoria-Geral da República e os irmãos
Batista, controladores da J&F.
As projeções de inflação têm sido elaboradas, tanto no
mercado como no BC, com base no pressuposto de alguma estabilidade política e
de manutenção do compromisso com o reparo dos fundamentos da economia. Só isso
permite montar cenários com inflação próxima de 4% e juros básicos na
vizinhança de 8% em 2020.
Mas a hipótese de um esforço continuado até o fim de 2018
e, em seguida, ao longo do próximo governo permite pensar em objetivos mais
ambiciosos. Com a modernização trabalhista, o mercado de empregos poderá ficar
mais flexível e mais eficiente, facilitando a incorporação de mão de obra. A
renovação da Previdência facilitará a gestão das contas públicas e o efetivo
respeito ao teto de gastos. Se uma reforma tributária razoável for implantada,
haverá melhores condições para produzir, exportar e investir. Com maior
potencial produtivo, o Brasil poderá escapar da armadilha do crescimento em
torno de 2% ao ano. Para ingressar com firmeza no século 21 o País precisará de
outras mudanças, mas terá vencido as barreiras iniciais. A maior vitória, nesse
caso, terá sido contra o populismo, a irresponsabilidade e a mediocridade
política.
*Publicado no Portal Estadão em 22/09/2017
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