A volta da tensão nuclear*
Neste grave momento, torna-se fundamental a intervenção
da
Organização das Nações Unidas (ONU) e das grandes potências para
evitar que
essa situação chegue ao impensável
Em 8 de dezembro de 1987, os então presidentes dos
Estados Unidos, Ronald Reagan, e da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachev,
assinaram em Washington o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário,
acordo que reduziu os arsenais das duas superpotências e, mais importante,
eliminou toda uma classe de armas nucleares.
Quase três décadas após o acerto que é considerado o
marco crucial para o fim da chamada guerra fria, o mundo assiste apreensivo à
volta da tensão nuclear à agenda global, não bastassem os grandes desafios
econômicos, humanitários e ambientais que já premem a sociedade do século 21 e
suas lideranças políticas.
De acordo com um relatório elaborado pela Agência de
Inteligência de Defesa (DIA) dos EUA no mês passado, divulgado recentemente
pelo jornal Washington Post, a Coreia do Norte conseguiu reduzir as
dimensões de suas ogivas nucleares – estima-se que Pyongyang disponha de 60
delas hoje –, tornando-as aptas para serem transportadas por um míssil
balístico intercontinental (ICBM). A informação foi confirmada pelo Ministério
da Defesa do Japão.
A divulgação da façanha realizada pelo regime do ditador
Kim Jong-un provocou uma enérgica reação do governo norte-americano. O
presidente Donald Trump ameaçou a Coreia do Norte com “fogo e fúria como o
mundo nunca viu”. Mais do que uma das muitas bravatas alardeadas por Trump em
pouco mais de seis meses de governo, a subida de tom em relação à Coreia do
Norte deve ser recebida com atenção porque, pela primeira vez, Kim Jong-un
mostrou ter as condições técnicas para atacar o território dos Estados Unidos.
Ser capaz de transportar uma ogiva nuclear em um míssil balístico é uma das
primeiras condições para que se considere um país capaz de representar uma
efetiva ameaça nuclear.
Evidentemente, não se trata de estabelecer aqui qualquer
paralelo entre as tensões havidas no contexto da guerra fria e as de hoje.
Tampouco cabe a comparação – por quaisquer critérios que se queira adotar –
entre a Coreia do Norte e a extinta União Soviética. Entretanto, os danos que o
arsenal nuclear do regime de Pyongyang já é capaz de causar não são
desprezíveis. Seus mísseis de longo alcance são capazes de atingir a Coreia do
Sul, o Japão, a China, a Rússia, Guam – território dos EUA no Oceano Pacífico,
onde o país mantém bases militares –, o Alasca, o oeste do Canadá e parte da
costa oeste dos EUA.
Embora sejam consideradas rústicas, as armas nucleares da
Coreia do Norte têm grande poder de destruição. Por serem tecnologicamente
rudimentares, podem ser pouco confiáveis em termos de precisão e alcance, mas
podem contaminar grandes áreas.
Os atributos políticos, emocionais e cognitivos de Kim
Jong-un, um líder sanguinário medíocre, também não fazem o horizonte parecer
promissor. Suas ameaças verbais e os exercícios militares que faz questão de
divulgar com um sinistro sorriso levam a crer que o ditador norte-coreano está
mesmo disposto a tudo, inclusive engajar seu país e seu povo em uma guerra
nuclear de consequências imprevisíveis apenas para demonstrar que não teme
enfrentar a maior potência militar do planeta.
Chegou-se a esse ponto de tensão porque a chamada
comunidade internacional não levou suficientemente a sério a capacidade
norte-coreana de levar avante o seu programa nuclear. O tom anedótico com que
Kim Jong-un sempre foi tratado pela mídia internacional, sobretudo nos EUA,
contribuiu para este estado de coisas. Enquanto era ridicularizado, o herdeiro
de uma dinastia comunista e líder de um país paupérrimo e sem base industrial
de importância levou seu povo à penúria, mas desenvolveu ogivas nucleares e
mísseis operacionais que agora inquietam o mundo.
Neste grave momento, torna-se fundamental a intervenção
da Organização das Nações Unidas (ONU) e das grandes potências para evitar que
essa situação chegue ao impensável.
*Publicado no Portal Estadão em 10/08/2017
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