Um teste para o Brasil*
O País vive o seu momento de maior instabilidade política
desde a promulgação da Constituição de 1988. À instabilidade e à incerteza
quanto ao futuro que dela advém, soma-se ainda o clima anuviado, urdido – não é
demais lembrar – pela incessante campanha petista pela cisão dos brasileiros
entre “nós” e “eles”. Quando o salutar debate de ideias perde força porque os
interlocutores são tratados como inimigos em potencial, está formado o meio de
cultura ideal para o florescimento dos arautos do caos e da irresponsabilidade.
Os afoitos que propugnam a destituição de um governo
antes que estejam reunidas as provas para além de qualquer dúvida razoável
quanto à sua correção não atentam apenas contra um presidente, um partido ou a
sociedade – o que já seria grave o bastante –, atentam contra a própria
Constituição.
É importante resgatar uma lição de nossa História. A
última gambiarra constitucional feita sob uma atmosfera de instabilidade
política deu duramente errado. O arremedo de parlamentarismo instituído em 1961
– como solução de compromisso para viabilizar a posse de João Goulart após a
renúncia do presidente Jânio Quadros – durou pouco mais de um ano. João Goulart
articulou a volta do presidencialismo a fim de recuperar seu protagonismo
político, o que ocorreu, de fato, em 1963. Sabe-se o que veio depois.
Não há a mais remota chance de uma intervenção militar
nos dias de hoje. O general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército
Brasileiro, veio a público – por meio de uma rede social – dizer que “a
Constituição há de ser sempre solução a todos os desafios institucionais do
País. Não há atalhos fora dela”. Portanto, este risco de quebra da ordem
constitucional, felizmente, o País não corre mais. Mas há outros. Paira o risco
dos messiânicos e dos salvadores da pátria. Paira o risco do populismo. Saídas
extravagantes e casuísticas começam a ser discutidas ante a eventual hipótese
de descontinuidade do governo do presidente Michel Temer.
Qualquer irresponsável que propuser ou defender uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altere os termos do artigo 81 e
institua eleições diretas em caso de vacância da Presidência e da
Vice-Presidência a menos de dois anos do término do mandato estará propondo, na
verdade, um golpe à ordem constitucional. Estará propondo, em última análise,
um golpe contra a sociedade que se organizou em torno da Carta Magna em vigor,
por meio de representantes legitimamente eleitos para um dos mais altos
desígnios em um regime democrático. No caso de os termos do citado preceito
constitucional não mais se coadunarem com os anseios da sociedade, eles podem e
devem ser revistos, mas em um momento livre das paixões e dos interesses que,
por ora, turvariam a visão daqueles designados para redigir sua alteração.
Em caso de um eventual afastamento do presidente Michel
Temer, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, deve assumir a
Presidência da República e Eunício Oliveira, presidente do Senado, deve
convocar o Congresso Nacional para, em até 30 dias, eleger um novo presidente,
que deverá governar o País até o dia 1.º de janeiro de 2019. É precisamente o
que determina a Constituição.
Embora o noticiário dê conta de que o Estado foi tomado
de assalto por interesses corporativos e a corrupção foi alçada a método de
governo, não será o recurso a soluções esdrúxulas e milagreiras que propiciará
o avanço institucional do País.
Este especial momento por que passa o Brasil representa
um grande teste, não apenas para a vitalidade da Constituição, mas sobretudo
para a própria disposição da sociedade brasileira de viver sob um regime
constitucional democrático, de absoluto respeito aos ditames mais caros à
democracia que a Carta Política apregoa, ainda que a ela se possa,
pontualmente, fazer reparos. Afastar-se deste compromisso de observância coletiva
aos mandamentos constitucionais significa o perigoso afastamento da própria
essência da democracia em nome de soluções casuísticas, irrefletidas e,
portanto, perigosas.
*Publicado no Portal Estadão em 20/05/2017
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